Breve História das Artes Marciais Filipinas
Conteúdo originalmente publicado no livro: INTRODUÇÃO AO ARNIS MODERNO ISBN: 978-65-01-10264-1 Escrito pelo Professor Tales de Azevedo Este conteúdo é protegido por direitos autorais e não pode ser reproduzido sem autorização. Ao utilizar trechos deste material, favor referenciar a origem adequadamente.
Filipinas: Berço do Arnis Kali
As Filipinas, hoje conhecidas como um país com uma das maiores populações do mundo e uma rica diversidade linguística, têm uma história que remonta a tempos antigos. Este arquipélago asiático, composto por mais de 7.000 ilhas, já foi lar de diversas civilizações. Historicamente, as comunidades filipinas estavam organizadas em "barangays", pequenos assentamentos liderados por um "datu" ou chefe.
A partir do século X, começaram a surgir reinos e sultanatos, como o Reino de Namayan e o Reino de Tondo, que se destacaram no comércio. Outros reinos notáveis incluíram Butuan, Maynila, Cebu e a Confederação de Madja-as. A sociedade pré-colonial filipina era diversificada e complexa, com diferentes classes sociais, e que se destava pela sua rica produção artística, especialmente em cerâmica e tecelagem, além de uma tradição forte em metalurgia. Antes da chegada do cristianismo e do islamismo, as práticas espirituais diversas também eram encontradas na região.
Os espanhóis chegaram às Filipinas durante a histórica expedição de circum-navegação de Fernando de Magalhães, em serviço da Coroa espanhola. Magalhães desembarcou nas ilhas em março de 1521, iniciando o primeiro contato europeu significativo com a região. Apesar do sucesso inicial na conversão de alguns líderes locais ao cristianismo, incluindo o rei de Cebu, a resistência rapidamente emergiu, culminando na Batalha de Mactan, onde Magalhães foi morto por guerreiros liderados por Lapu-Lapu.Após esse confronto, os espanhóis não estabeleceram uma presença imediata e duradoura nas ilhas. Foi apenas em 1565 que Miguel López de Legazpi liderou uma expedição mais bem-sucedida, fundando o primeiro assentamento permanente em Cebu. A partir daí, os espanhóis expandiram seu controle, estabelecendo Manila como a capital em 1571. Manila foi escolhida pela sua localização estratégica e logo se tornou um centro de comércio e administração, consolidando o domínio espanhol nas Filipinas. As ilhas foram então integradas ao Vice-Reino da Nova Espanha, com sede na Cidade do México, e passaram a ser administradas como parte do império colonial espanhol nas Américas e na Ásia.Durante o período colonial nas Filipinas, a sociedade era estruturada em uma hierarquia rígida. No topo estavam os peninsulares, espanhóis nascidos na Espanha, que ocupavam as posições mais elevadas no governo e na Igreja. Logo abaixo vinham os insulares, ou crioulos, espanhóis nascidos nas Filipinas, que, apesar de terem alguns privilégios, enfrentavam discriminação dos peninsulares.
Seguindo na hierarquia, estavam os mestiços e a principalia. Os mestiços, descendentes de espanhóis e nativos filipinos, tinham acesso relativamente maior à educação e oportunidades econômicas, e alguns conseguiam se integrar à elite local. A principalia, composta por líderes locais e membros da elite indígena, ocupava uma posição significativa na administração local, desempenhando um papel importante na mediação entre interesses espanhóis e nativos.
A base da pirâmide social era formada pelos nativos filipinos, que trabalhavam principalmente na agricultura, pesca e outras atividades de subsistência. Muitos eram submetidos ao sistema de encomienda, pagando tributos aos encomenderos espanhóis em troca de "proteção" e instrução religiosa, e também eram obrigados a participar do polo y servicios, uma forma de trabalho forçado para obras públicas.
Além disso, os nativos filipinos também foram recrutados como soldados e marinheiros nas forças armadas espanholas. Esse recrutamento envolvia treinamento militar que incluía o uso de armas de fogo e táticas de combate europeias, além de participarem em várias funções militares, desde a infantaria até a artilharia .A Igreja Católica Romana desempenhou um papel central na colonização das Filipinas, não só na evangelização mas também na administração colonial. Missionários franciscanos, agostinianos e jesuítas foram os principais agentes da conversão ao cristianismo e da educação dos nativos. A igreja possuía vastas propriedades e estava profundamente envolvida na economia local, controlando plantações e outras atividades produtivas. A imposição do cristianismo foi uma das ferramentas mais poderosas para consolidar o controle espanhol, ao mesmo tempo em que trouxe profundas mudanças culturais para a população nativa.
Durante o período colonial, o espanhol tornou-se a língua oficial da administração, da educação e do comércio, sendo amplamente utilizado pelas classes dominantes e na comunicação oficial. No entanto, a maioria da população filipina, composta principalmente por indios e membros da principalia, não adotou o espanhol como língua do dia a dia. Em vez disso, continuaram a usar seus idiomas nativos, como o Tagalo, Cebuano e Ilocano. O espanhol, portanto, não se popularizou como língua franca entre a população em geral, mantendo-se predominantemente entre as elites e aqueles diretamente envolvidos com o governo colonial ou a igreja.No século XIX, as Filipinas enfrentavam uma série de tensões sociais e econômicas que culminaram em conflitos significativos. A corrupção, a exploração econômica e a discriminação eram algumas das principais queixas da população filipina. A crescente influência da Igreja Católica Romana também causou ressentimento entre os nativos, especialmente porque a igreja controlava vastas áreas de terra e era vista como aliada dos interesses coloniais. Uma das figuras mais notáveis desse período foi José Rizal, um intelectual e reformista que, através de seus escritos, como "Noli Me Tangere" e "El Filibusterismo", criticava abertamente as injustiças do regime colonial e da igreja. Seu trabalho inspirou um movimento de reforma que, no entanto, foi recebido com repressão pelas autoridades espanholas. A prisão e execução de Rizal em 1896 inflou ainda mais a população filipina contra o domínio espanhol.
No final do século XIX, a estruturação da arte marcial de origem filipina começou a ganhar forma, influenciada significativamente pelo Katipunan, uma sociedade secreta revolucionária fundada por Andrés Bonifacio em 1892. A Katipunan, inspirada por ideais nacionalistas e influências maçônicas, tinha como objetivo a independência das Filipinas por meio de uma revolta armada. Foi durante este período que a esgrima europeia, introduzida pelos espanhóis, começou a se fundir com técnicas locais de combate, resultando na evolução para o que hoje conhecemos como eskrima ou arnis - a arte marcial que combina técnicas de esgrima espanhola e naval com práticas tradicionais filipinas, criando um sistema único e adaptado às necessidades do combate local.
O Katipunan desempenhou um papel crucial na disseminação dessas práticas de combate, especialmente durante a Revolução Filipina, que eclodiu em 1896 após a descoberta da organização pelas autoridades espanholas. Liderada por figuras como Emilio Aguinaldo, que se destacou como líder militar e político, a revolução viu uma série de batalhas e revoltas em várias províncias filipinas. Apesar dos esforços dos espanhóis para suprimir a revolta, a luta pela independência continuou vigorosamente. Em 1897, após vários confrontos e negociações, Aguinaldo foi exilado em Hong Kong, onde continuou a planejar a resistência contra o domínio colonial. Durante este período, o governo espanhol enfrentou crescentes dificuldades para manter o controle sobre as Filipinas, enquanto o espírito de independência e as técnicas de combate filipinas continuavam a se desenvolver e se solidificar.
A situação mudou dramaticamente com o início da Guerra Hispano-Americana em 1898, quando os Estados Unidos, em guerra com a Espanha, viram uma oportunidade estratégica no Pacífico. Em um esforço para enfraquecer a posição espanhola, os Estados Unidos apoiaram a causa filipina, facilitando o retorno de Aguinaldo ao arquipélago. Com o apoio americano, as forças filipinas conseguiram derrotar os espanhóis em várias frentes. Em 12 de junho de 1898, Emilio Aguinaldo declarou a independência das Filipinas da Espanha e estabeleceu a Primeira República Filipina, com ele próprio como presidente. No entanto, essa declaração de independência não foi reconhecida internacionalmente, e o destino das Filipinas foi decidido em negociações entre a Espanha e os Estados Unidos através do Tratado de Paris, assinado em dezembro de 1898, que encerrou oficialmente a Guerra Hispano-Americana. Pelo tratado, a Espanha cedeu suas colônias nas Filipinas, Porto Rico e Guam aos Estados Unidos em troca de uma compensação monetária. Os Estados Unidos assumiram o controle das ilhas, marcando o início de um novo período de colonização.
Este novo domínio americano não foi aceito passivamente pelos filipinos. O resultado foi a eclosão da Guerra Filipino-Americana em 1899, um conflito sangrento que durou até 1902, com alguns focos de resistência continuando até 1913. Apesar da resistência feroz, os Estados Unidos conseguiram estabelecer controle sobre o arquipélago, transformando as Filipinas em um protetorado americano. Durante o início do controle americano nas Filipinas, houve um esforço significativo para introduzir benefícios sociais, como a YMCA (Young Men's Christian Association – ou ACM como nós conhecemos no Brasil), que não apenas promovia atividades físicas como o boxe ocidental, mas também ajudava a disseminar o "American Way of Life" e a língua inglesa. A primeira filial da YMCA em Manila, inaugurada em 1909 e liderada por C.H. Jackson, tornou-se um centro importante para a promoção do boxe entre soldados americanos, e isso logo se estendeu aos filipinos. As primeiras lutas profissionais de boxe nas Filipinas ocorreram nesse ambiente, iniciando um processo de popularização do esporte como forma de entretenimento e desenvolvimento físico.No entanto, as autoridades coloniais viam as lutas tradicionais, com suspeita, temendo que pudessem ser usadas como uma forma de treinamento para atividades subversivas ou resistência. Isso levou à implementação do Ato Governamental Nº 557, que buscava regulamentar e controlar essas práticas, especialmente devido à preocupação com apostas e jogos de azar.
Apesar dessas restrições, o boxe continuou a crescer em popularidade, com muitas práticas clandestinas ocorrendo em áreas próximas às bases militares americanas. Em 1921, o governo americano decidiu legalizar o boxe e outros esportes de combate, na esperança de reduzir a violência das lutas clandestinas. Essa legalização permitiu que membros das classes mais baixas vissem no boxe uma chance de ascensão social. Um marco importante foi em 1925, quando Francisco "Pancho Villa" Guilledo conquistou o primeiro título mundial de peso mosca para as Filipinas, solidificando o boxe como um esporte nacional.
Durante o início do regime americano nas Filipinas, os irmãos Cañete, Florentino e Eulogio, começaram seu treinamento em Eskrima sob a tutela de vários mestres renomados, incluindo seu pai Gregorio Cañete, Gavino Cañete, Pedro Cañete e seu tio Juanso dela Cuesta. Eles também foram ensinados por figuras notáveis como Tenyente Piano Aranas, Goriong Tagalog, Juanso Tikya, Andres Suares, Tito de Goma e Cesario Aliason. Buscando expandir seu conhecimento, os Cañete mudaram-se para o distrito de San Nicolas em Cebu City, onde treinaram com os mestres mais famosos da época, Lorenzo Saavedra e seus sobrinhos Teodoro e Federico Saavedra.
Em 1920, os Cañete uniram-se aos Saavedra para fundar o Labangon Fencing Club, a primeira organização de Eskrima nas Filipinas. Este clube, que utilizava o termo "fencing" devido à influência americana, que associava a arte à esgrima europeia, foi um marco importante na promoção da Eskrima. Lorenzo Saavedra, carinhosamente chamado de "Tatang Ensong", e Teodoro "Doring" Saavedra, foram figuras chave no ensino de técnicas avançadas de Espada y Daga e combate de curta distância (corto) aos Cañete. Apesar do sucesso inicial, o Labangon Fencing Club se dissolveu em 1931 devido a conflitos políticos sobre o futuro das Filipinas como território dos EUA.Em 11 de janeiro de 1932, Eulogio Cañete, Lorenzo Saavedra e Teodoro Saavedra, junto com outros eskrimadores renomados, fundaram o Doce Pares. O nome "Doce Pares" refere-se aos doze paladinos do imperador Carlos Magno da França, que eram conhecidos por suas habilidades excepcionais com espadas. O nome também foi dado em homenagem aos doze mestres que inicialmente formaram a organização, simbolizando a importância da união e colaboração entre os eskrimadores. Durante a eleição de oficiais, Eulogio "Yoling" Cañete foi eleito presidente e Teodoro Saavedra, vice-presidente. A associação cresceu rapidamente, incorporando mestres como Jesus Cui, Felipe Villaro, Claudio Kalinawan, Victorino Dilao, e muitos outros.Durante a Segunda Guerra Mundial, vários membros do Doce Pares, incluindo Teodoro Saavedra, juntaram-se às Forças Armadas dos EUA no Extremo Oriente e às forças de resistência, usando suas habilidades em eskrima na luta contra a ocupação japonesa. Infelizmente, Teodoro Saavedra foi capturado e executado pelos japoneses em 1943. Após a guerra, os membros restantes do Doce Pares se reuniram para reviver a organização e promover a arte marcial filipina.
A ascensão de Ciriaco "Cacoy" Cañete como lutador e inovador mais habilidoso do Doce Pares trouxe novas técnicas e abordagens para a organização. No entanto, desentendimentos sobre o estilo de combate causaram uma divisão dentro do grupo. Venancio "Anciong" Bacon, um dos mestres originais do Doce Pares, deixou o grupo para formar o Balintawak Self Defense Club em 1952, junto com Vicente Atillo, Delfin Lopez, Jesus Cui, Timoteo Maranga, Lorenzo Gonzales, Isidro Bardilas, Andres Olaibar, e outros. Nomeado em homenagem à rua Balintawak em Cebu, onde o clube foi estabelecido, o Balintawak se destacou por sua abordagem mais agressiva e direta ao "Juego Todo", um estilo de combate sem regras que testava a eficácia das técnicas de Eskrima.
Durante o seu período principal, o Balintawak desenvolveu duas metodologias de ensino principais: o sistema original de Anciong Bacon, focado em precisão e estratégia, e o método de agrupamento de Jose Villasin, que facilitava o ensino em grupos maiores. Essas metodologias refletem a evolução contínua das artes marciais filipinas, adaptando-se às necessidades e contextos do século XX. Bacon, após ser libertado da prisão por matar um agressor em legítima defesa, continuou a supervisionar o treinamento de seus alunos para garantir a qualidade do BalintawakBudoTV - Datu Tim Hartman & PG Craig Mason
Entrevista Mestre Ricardo Nakayama
1- Sensei Nakayama, obrigado por aceitar o nosso convite para essa entrevista. Você poderia começar falando sobre você e seu começo nas artes marciais?
Resp: Meu começo nas artes marciais se deu através do meu pai, nascido no Japão, era um atleta nato, ele tinha faixas pretas em Karatê e Judo, além de ter treinado ginástica olímpica e outros esportes em sua terra natal. Meu começo foi no Karatê, quem viu o filme original do Karatê Kid tem uma noção de como era o treinamento. O método japonês é abstrato, o "Mestre" não dá o peixe pronto para o discípulo, ele dá a vara. Isso significa que em geral, você repete os movimentos, executa os exercícios sem questionamentos, procura o "insight", ou seja, em algum momento você descobre o "pulo do gato" e executa a técnica com perfeição.
O método ocidental é objetivo, você quer saber a razão de cada movimento, a mecânica corporal, racionalizar em cima da técnica e alcançar os objetivos em pouco tempo.
Continuando, dos meus 4 aos 8 anos eu treinava como toda a criança, repetia o que meu pai fazia por admiração e respeito. Aos 8 foi minha primeira "briga", lutei com 4 garotos da minha idade e bati em todos. Esse episódio mudou a forma como eu encarava as artes marciais e dai para frente encontrei meu proposito, o qual levarei por toda minha vida.
2- Sabemos que você possui uma baita experiência em FMA, hoje tem se dedicado mais ao FCS, poderia falar mais na sua visão sobre a escola e o cenário do fma no Brasil?
Resp: FCS Kali significa Filipino Combat Systems, veja que não é System, isso significa que o FCS engloba diversos sistemas, não trabalhamos de forma fechada, o Tuhon Ray Dionaldo não tem uma postura egoísta e incentiva a todos os praticantes a procurar novas possibilidades.
No Brasil, o diretor responsável é o Bruno Gabriel, com um talento acima da média, tem o mesmo pensamento do nosso Tuhon. Hoje eu treino além do FCS, o Balintawak e o Pekiti Tirsia e sempre estou aberto a outros conhecimentos.
As FMA no Brasil estão crescendo e ficando mais conhecidas. Temos diversas escolas e vários grandes mestres já vieram ao nosso país para dar cursos. O importante é manter uma boa convivência com todas as artes marciais filipinas, lembrando que não somos concorrentes e sim parceiros.
3- Poderia falar mais sobre a SOTAI?
Resp: A Sotai significa Sobrevivência, Treinamento, Aplicação e Inteligência, é um método de treinamento e não uma nova arte marcial. É a síntese de várias escolas diferentes com ênfase na defesa pessoal e tem 4 princípios fundamentais: simplicidade, objetividade, versatilidade e efetividade.
Simplicidade se traduz em ter técnicas simples de serem aprendidas, lembradas e aplicadas.
Objetividade é só colocar no currículo o que funciona, deixando de lado quantidade e ressaltar a qualidade do que será ensinado.
Versatilidade é ter um conteúdo facilmente adaptável a qualquer pessoa, independente do biótipo, idade, sexo ou até mesmo possível limitação, como as pessoas com necessidades especiais.
Efetividade significa sobreviver em situações de risco, é aprender a dominar a si mesmo, ao(s) adversário(s) e a situação. Você pode ser um ótimo lutador, ter uma técnica excelente, mas reagir no momento errado, por exemplo, consegue desarmar um marginal, mas esqueceu de verificar se havia alguém dando cobertura para ele. Nesse caso, o melhor lutador pode morrer com um tiro nas costas.
4- Muito obrigado pelas suas respostas! Gostaria de deixar alguma mensagem para os nossos leitores?
Cada dia é uma oportunidade para se tornar uma pessoa melhor. Não podemos controlar tudo, mas devemos valorizar nosso tempo, porque é algo que não tem volta. A vida é ter prioridades e fazer escolhas. Você pode escolher ficar o dia todo na cama, ou aprender todos os dias.
Treinar brincando: 5 coisas que um adulto ganha praticando artes marciais com crianças
Férias, o que rende crianças sem aulas, doidas para brincar e o tempo, geralmente restrito, de treino ganha mais um concorrente. Especialmente para os pais e mães que treinam. Porém se as crianças tiverem idades entre 6 e 10 anos é possível alinhar o treino e a brincadeira, praticar… brincando. Ainda que não seja exatamente o treino de artes marciais usual ainda é possível praticar algumas coisas com os pequenos. Portanto, um aviso: este não é um texto sobre o ensino de artes marciais para crianças, existem ótimas referências e descrições. Bem como bons profissionais por aí fazendo esse trabalho, que é diferente do ensino para adultos.
No caso o foco vai ser nas artes marciais filipinas também conhecidas como Eskrima, Arnis, Kali ou FMA (Filipino Martial Arts) que tem a particularidade de trabalhar com armas brancas ou sem armas. Mas, com os devidos reparos, a idéia geral também pode valer para outras artes marciais. Essas “batalhas” são como um sparring leve. De qualquer modo, o treino, ou brincadeira mesmo, com crianças pode oferecer oportunidade para:
1- O cenário de luta contra vários oponentes
Crianças aprendem brincando, o brincar livre é a melhor forma de aprendizado que um criança pode ter, então dê o espaço que elas precisam para construir suas fantasias e use isso a seu favor. Apenas conduza, não tente controlar as crianças ou elas vão desistir. Assim, eu adoro inventar lutas de espada com meu filho e sobrinhos e aproveitar para treinar contra dois ou três atacantes. A brincadeira é muito boa para simular, se é uma luta de jedi, cavaleiros ou ninjas não importa, qualquer um deles está ótimo. Esse é um cenário comum na maioria das artes marciais com foco em defesa pessoal e crianças são ótimas para esse cenário. Elas te atacam com aquela coragem que só a ignorância oferece. Quase instintivamente elas te cercam, procuram pontos francos e te obrigam a entender com lidar com oponentes múltiplos. Para equilibrar um pouco as coisas, eu geralmente deixo elas com armas mais longas e eu fico com algo curto ou mesmo mãos limpas para treinar desarmes.
2- Capacidade aeróbica
Esse cenário significa que o alvo (você) vai ter que se manobrar e se mover constantemente para não ficar cercado. Dê preferência ao movimento usando o terreno (carros, bancos de praça, brinquedos de parquinhos) ou mesmo os próprios adversários como barreiras para compensar a desvantagem numérica. Tudo isso é muito cansativo e, para agravar, as crianças não cansam fácil e se recuperam rapidamente. Essa impressão vai ser aumentada se o adulto já estiver um tanto quanto… geriátrico. A situação rende um tremendo exercício e adulto vai queimar umas boas calorias.
3 – Defesa das pernas
A necessidade de manobrar já vai demandar um bom trabalho de pernas do adulto, o que vai ser agravado pela necessidade de defender as pernas com um frequência incomum. É uma particularidade desse cenário, especialmente quando a diferença de altura entre os oponentes (o adulto e as crianças) é de umas boas dezenas de centímetros. Mesmo que nas FMA existam os ataques 8 e 9 (pernas) ou 5, que pode acertar na linha da cintura ou abaixo, a maioria dos adultos está acostumada a se defender de ataques na altura do tórax e da cabeça. Porém, como altura das crianças é bem mais menor seu alvos também vão ser. Somando isso à dificuldade dos múltiplos oponentes e o uso de uma “arma” mais curta o exercício e a diversão estão garantidos.
4 – Humildade
Lembrando o ponto inicial, é uma luta contra crianças pelamordedeus. Vencer não é exatamente uma vitória, mas sim uma prática divertida e um espaço para alguns experimentos. Nesse contexto o que significa testar coisas novas e se abrir para o risco de tudo dar errado e uma criança fazer a festa em cima de você. De qualquer forma, mesmo sem os experimentos, elas provavelmente vão conseguir acertar um ou dois golpes, o que é mérito delas e uma oportunidade de aprendizagem para o adulto. E, claro, o objetivo do adulto é praticar o das crianças se divertir e ninguém se diverte perdendo o tempo todo.
5 – Controle
Indo além do cenário dos oponente, crianças adoram ritmos e música. E como vários exercícios de FMA como o Sinawali e o Labang Laro (o termo significa luta combinada ou jogo de luta) funcionam com ritmos seria possível se criar alguma brincadeira divertida e útil assim.
Ainda assim, se acertar um alvo em movimento pode não ser tão fácil. Fazer isso controlando a força e a precisão vai ser mais difícil ainda. É importante lembrar que são crianças e não adultos em miniatura. Tanto que, no cenário dos múltiplos oponentes, eu pessoalmente prefiro que eles me ataquem do que lutem entre si. Afinal, ninguém quer ter que explicar para o resto da família sobre o dedo quebrado do sobrinho, o que leva ao próximo tópico.
Os cuidados necessários
É importante saber gerenciar o risco. Um ralado ou um pouco de dor pode acontecer em qualquer brincadeira mas o adulto deve prezar pelo controle o cuidado. As sugestões abaixo podem ajudar mas estão longe de prever todos os casos. Portanto seja cuidadoso e equipamento de proteção individual não fazem mas a ninguém.
As “armas” e as devidas proteções
Para começar eu evito os bastões, mesmo os leves. As crianças adoram sabres de luz de brinquedo, que são essencialmente bastões expansíveis para crianças, esses serzinhos adoráveis que não entendem o conceito de bater leve. Pessoalmente detesto da ergonomia dos sabres de luz a ausência de guardas demonstra como uma guarda na espada é uma maravilha de ergonomia de design. Mas aviso que lutar com sabres de luz acesos numa noite escura é divertidíssimo. Assim, mesmo usando esse tipo de brinquedo acho interessante usar uma proteção para os olhos das crianças, como um óculos de plástico ou algo que não solte cacos. Eventualmente o reflexo pode se acionado e o adulto reagir com mais precisão que o devido.
Bastões leves revestidos de espuma são razoáveis, mas demandam controle da força. Porém, bastões menos densos podem ter efeito de chicote na defesa que pode render surpresas desagradáveis e os mais densos ainda podem machucar se usados com força.
Minha arma preferida é aquele espaguete usado em piscina, cortado para chegar a um tamanho aceitável pode até ser decorado. No caso, como adulto, eu fico com um pedaço menor. Dependendo do cumprimento vai agir quase como um chicote em algumas manobras, mais curto fica melhor, mas vai servir. A grande vantagem é que o impacto equivale a uma guerra de travesseiros e como eles são bem largos a chance de acertar o olho é menor, mas um óculos de proteção nunca faz mal. O risco de machucado mais alto é no caso de impacto punho contra punho. Assim, luvas acolchoadas, como as de MMA, podem ser uma boa pedida, especialmente para o adulto. A idéia não é só proteger os dedos do adulto, mas principalmente reduzir o risco de estrago nas crianças no caso de um impacto acidental.
O espaço
Uma sala grande com objetos delicados bem guardados pode ser boa, mas eu acho ideal uma área externa. Sua sogra vai matar você se os netinhos quebrarem os bibelôs. E um espaço maior vai fazer diferença na hora de manobrar.
Sobre outras artes marciais
O praticante de jiu-jitsu, luta-livre ou judô que nunca brincou de guerra de cosquinhas com os filhos em cima da cama não sabe o que está perdendo. É um bom momento para ensinar um pouco sobre manipulação de articulações, com a devido ressalva sobre as responsabilidades e cuidados envolvidas nisso. Kung Fu, Karatê e outras artes de strike só precisam escolher o desenho animado ou filme preferido. É um divertido e intenso sparring sem contato.
Conclusão
A proposta aqui não é um treino de alta perfomance, nem colocar crianças em treinos direcionados e estruturados, mas apenas um alinhamento entre interesses de adultos e crianças para o período das férias escolares. Eles já tem aula no resto do ano.
Ainda assim, o livre brincar é uma forma de aprendizagem, física e emocional. Se você quer praticar algumas coisas e ao mesmo tempo oferecer para crianças uma situação onde elas podem soltar sua agressividade sem medo de repreensão, aproveite. Um espaço para soltar isso de forma socialmente aceitável é saudável para crianças e adultos. É uma forma de ensinar para as crianças a desenvolver mecanismos para lidar com medo, frustração, raiva e construir resiliência emocional. Quer que seu filho te veja como o herói? Aceite ser o vilão. Se quer ensinar sobre vitória e derrota, deixe ganhar ou perder sem que as crianças percebam. Como diriam em jogos de RPG, seja um bom NPC (personagem não jogador). Brincar é uma das melhores formas de se construir vínculos saudáveis com crianças.
E ainda ajuda a evitar a ferrugem quando estiver fora da academia.
https://teclogos.wordpress.com/2019/01/11/o-que-um-adulto-ganha-praticando-artes-marciais-com-criancas/?fbclid=IwAR326jHwk5pO3k1bmQpEVTupvao5X-Gg44PxJwYLU2IFDXRakX0jqhefWwU
5 Dicas (+1) para Novatos em Artes Marciais com mais de 40 anos
Encontrei um artigo do blog The Stick Chick que descreve bem os prazeres a agruras de praticar artes marciais na meia idade, com algumas dicas úteis. Não em termos técnicos, mas especialmente sobre como deve ser a atitude de quem está começando. E Jackie Bradbury, a autora, pode falar com propriedade do assunto já que começou a treinar aos 39 anos, é faixa preta de segundo grau e professora de Arnis Moderno no Texas. As 5 primeiras dicas são dela e a última é minha, as imagens são do artigo dela.
1. Saiba lidar com os desafios físicos
Geralmente cursos de artes marciais são planejadas considerando adolescentes ou adultos jovens (vinte e poucos anos), especialmente a parte de capacidade física.
Provavelmente você vai sentir que não pode, ou não deve, reduzir a carga. Como, por exemplo, fazer menos repetições por exercício. Afinal, ninguém quer parecer incapaz ou menos esforçados que os mais novos.
Porém, a verdade é: você já não é mais um jovem e se exigir como se ainda fosse um aumenta o risco de ferimentos desnecessariamente (como agravante veja a dica 2). E a atividade escolhida já tem suas chances de ferimento o suficiente para você não precisar forçar a barra.
Flexibilidade é um bom exemplo. Têm gente que nasceu flexível e consegue colocar a cabeça no teto sem problemas. Porém para a maioria dos mortais isso é algo que leva tempo para ser desenvolvido e é rapidamente perdido quando se o aluno parar. Portanto não se pode pegar o coleguinha de 20 anos que pratica desde os 6 anos de idade como termo de comparação justo.
2. Demora mais para se curar
Em qualquer atividade física existe o risco de lesões. Porém, quando você fica mais velho, aquelas pequenas coisas que antes seriam resolvidas com um pouco de gelo e uma noite de descanso passam a demandar um tempo bem maior para serem curadas. Assim, o hematoma ou dolorido que some após dois dias num adolescente pode durar mais de uma semana em um quarentão.
3. Aceite gente (bem) mais jovem te ensinando
Isso é algo que algumas pessoas podem considerar incomum ou mesmo incômodo: ter pessoas bem mais jovens em posição de autoridade. A solução: supere, aceite e acostume-se. Se a academia é boa o instrutor-com-idade-para-ser-seu-filho tem uns bons anos de experiência no assunto em questão e têm competência para te corrigir e instruir.
Eventualmente ele pode ser muito experiente tecnicamente mas nem tanto como instrutor. Didática é algo que melhora com a experiência. Nesse caso, seja um bom aluno, aceite seu instrutor (com a mesma deferência que teria por um instrutor mais velho) e trabalhe com ele para entender os exercícios e as posições corretamente. Isso vai ajudar ele a entender suas necessidades e melhorar sua didática, ensinar é uma via de mão dupla. Existe uma diferença clara entre o questionamento produtivo e não confiar na competência do instrutor. Portanto, não seja um velho mala e trabalhe de forma construtiva. A outra vantagem é que isso também diminui o risco de ferimentos causados por exercícios feitos de forma errada. Em determinadas posições uma diferença de alguns milímetros ou graus é o que separa um exercício saudável de algo que vai causar dano cedo ou tarde.
4. Você não está liberado da necessidade de praticar
Na verdade, muito pelo contrário. Acredito que gente mais velha precisa praticar ainda mais para acompanhar os mais novos. Como disse James Garr, um comentarista, é preciso aceitar seus diferenças. Além da vantagem física, gente mais nova costuma a aprender mais rápido. Assim, é preciso aceitar que alguém mais velho vai ter de se esforçar mais. Encare como uma maratona e não 100 metros rasos, os resultados podem demorar mais um pouco comparando com os alunos mais novos, mas eles virão e valem a pena.
O que é agravado pela falta de tempo da vida adulta. Filhos, trabalho e outros compromissos já deixam a vida cheia o suficiente. Ainda assim, é importante arranjar algum tempo, por menor que seja para praticar um pouco, mesmo que sejam apenas movimentos básicos. E, por mais tentador que seja, falte apenas quando necessário. Tudo bem que você não vai perder nada que não possa ser reposto em outro aula, mas é uma oportunidade de prática a menos numa agenda que já é naturalmente apertada. Lembre-se que correr uma maratona é mais uma questão de ritmo e constância do que de velocidade.
Nesse aspecto volto a um outro conselho da Jackie. Não deixe de treinar se você se machucar levemente, mesmo que seja para pegar leve. Afinal, se a cura total leva mais tempo, continuar treinando vai fazer com que não se perca o ritmo.
5. Não se preocupe com o que os outros vão pensar
Nesse aspecto a Jackie comenta sobre as próprias dúvidas. Como é ser a pessoa mais velha numa classe de gente bem mais nova. O que outras pessoas pensariam do seu hobby? Achariam esquisito uma adulta ganhando hematomas como diversão, a essa altura do campeonato?
Creio que essas dúvidas dela já ficaram para trás. Como ela mesmo diz jornada essa jornada é pessoal e cada um têm sua trajetória. Se você descobriu artes marciais só após os 40 é assim que vai ser. Mesmo que você seja uma minoria na academia, muita gente também começou tarde e não se arrependeu. Você pode ser incomum, mas não é estranho e não está sozinho. Convenhamos, o que importa a opinião dos outros? Vai te fazer bem, te deixar mais saudável e é divertido. Isso já é motivo o suficiente.
Pessoalmente, eu creio que tive sorte nesse ponto. Não sou o cara mais velho da minha turma, mas estou longe de ser o mais novo. Meu Guro na Magka-Isa tem mais de 65 anos e trata todo mundo igual, independente da idade. Eu já treinei, lutei, ganhei, perdi, aprendi e ensinei várias pessoas por lá, seja de gente nova demais para tirar carteira ou de gente bem mais velha. Por exemplo, aprendi muito com uma simpática senhora de 61 anos, dona de uma segurança inspiradora. Tanto no que estava disposta a fazer quanto no que não estava. De vez em quando treino com um senhor de uns 69 anos e se eu estiver com 80% da disposição e força dele quando chegar a essa idade já vou estar para lá de satisfeito.
+1. Os incomodados que se retirem
Essa é minha dica e considero até uma vantagem em não ser mais tão jovem: a de não sentir necessidade de me testar ou provar algo para alguém. Se você se sentir incomodado com algo ou que a experiência de treinar não está sendo boa, a melhor solução pode ser procurar outro lugar. Sinta-se livre para usar essa opção.
A melhor arte marcial é aquela que funciona para você. Até distância da academia e horário de aula são fatores a serem considerados. Ainda mais com o tempo apertado da vida adulta.
A solução é muito pessoal e vai envolver, entre outras, variáveis como: o professor, a turma e o estilo que se adequar melhor às suas necessidades e limitações. Bruce Lee em seu Tao do Jeet Kune Do dizia que é o estilo que deve ser adaptado ao corpo e não o contrário. O que é especialmente interessante quando nossa capacidade física está começando a diminuir como efeito da idade. E em termos de lidar com limitações, certas artes, como o Arnis Kali, podem apresentar casos inspiradores.
Portanto, se a primeira opção não for a melhor não há nenhum problema em se tentar de novo. Inclusive, é comum que as pessoas pratiquem várias artes diferentes ao longo da vida.
Entrevista com GM Melchor William Amosco
1- Olá! Obrigado por nos conceder esta entrevista. Poderia nos contar um pouco sobre o seu início com artes marciais?
Eu comecei a aprender artes marciais aos 13 anos de idade com meu pai, um Karateka que foi meu primeiro professor no mundo das artes marciais. Ele me ensinou alguns princípios das artes marciais, incluindo o uso de armas com lâminas (Sansibar uma espada nativa). Até que eu me matriculei em uma escola formal de artes marciais. MGO – SDC, que ensinava Tang soodo (Karate coreano), Arnis (sistema de Doce Pares) e Judo. Esta escola incorporava todos os elementos do sistema 3 sob Master Deomedes Paninsoro. Isso é foi enquanto eu cursava o ensino médio. Depois de alguns anos eu me mudei Manila para prosseguir a minha faculdade e continuar meu Estudo de Artes Marciais.
Foi assim que me tornei aluno do Sensei Ramil Ong Aquino do Grupo de Arjukaa (Shorin ryu karatedo, Arnis e Judo). Até eu conhecer e promovido a Lakan Dalawa por Punong Lakan Nicolas meu professor em Modern Arnis Mano Mano FMA, estudante do falecido Grande Mestre Enesto Presas Sr. o mais novo Irmão do Grande Mestre Remy Presas. Eu também estudei com o grupo de Filipino Martial Arts Combat sob o Mestre Noel Hael e me tornei Instrutor Autorizado do seu sistema como faixa preta de 2º grau. Eu também estudei com Punong Maestro Ernesto T. Talag faixa preta 6º dan em Aikido e fundador da BUDIWAN Kali Filipino Fighting system (Filipino boxe, Dumog e Bladed Arts) e praticante de longa data de Kali Ilustrisimo, sistema de lâminas sob GM Tatang Ilustrisimo e o falecido Grande Mestre Tony Diego. Ele me deu o título de mestre.. Budiwan significa: Bukluran, Diwa em Katawan ou Unificação de Mente e Corpo.
Eu também tive a oportunidade de aprender com mestre Jaime Quizana o seu próprio sistema de Palasan Eagle Kali Ilustrisimo sistema semelhante ao do mestre Talag, onde fui promovido ao rank de sênior. Mestre Vicente Sanchez fundador do Kali Arnis Int'l Fed me promoveu a LakanSampu com a idade de 37 anos. Esse é o meu começo nas artes marciais e da minha linhagem.
2- Sobre a FMA, como você conheceu esta modalidade? Como você começou e o que Despertou seu interesse?
Eu fiquei espantado e interessado com artes marciais filipinas por causa de praticidade e facilidade de aprender e mostrar nossa história e cultura enquanto Filipinos.
3- Sobre a sua escola FMA, você pode nos contar um pouco?
- Ar: Arnis (Arte do bastão, lâminas e armas improvisadas)
- Ma: Mano Mano (Arnis Artes de combate com mão vazia).
- Do: Dumog (Artes de imobilização e controle).
- F: Filipino
- M: Marcial
- A: Arts
- De: Defensivo
- Tac: Táticas
4- Sobre a estrutura do Armado FMA e o seu programa unificado, você poderia nos explicar sobre?
Um programa é usado para cada instrução dentro do curso de treinamento. Isso inclui instruções com objetivos específicos, tais como exercícios de movimentação, Footworks, queda, batidas, bloqueios, técnicas de contra ataque e material de suporte daquela instrução. Uma Syllabus é um conjunto de programa de treinamento completo seguido por todos os instrutores e alunos. Todos os membros da Armado FMA Deftac Int'l cumprem o mesmo programa para que cada um possa se desenvolver e ensinar o próximo de maneira unificada, assim evitando conflitos entre os Membros e durante o período de teste de avaliação em nível local e internacional. A ideia do programa é ensinar o aluno como construir uma sólida Fundação Básica, para que ele possa crescer em sua própria progressão através do sistema de faixas.
5- Qual é a sua opinião sobre as FMA aqui nas Filipinas hoje?
As Artes Marciais Filipinas são hoje bem populares em nosso país e todos os Grandes Mestres, Mestres, Guro e Praticante mantém um bom relacionamento, se respeitando mutuamente. Faz parte do esporte nacional e passou a fazer parte do Departamento de Educação para ser ensinado nas escolas. É agora suportado pelo Governo filipino.
6- Qual é a sua visão da FMA hoje no mundo atual?
FMA está se tornando uma prática mundial, ganhando mais cada vez mais popularidade porque muitos países praticam esta arte dinâmica de auto-defesa. Além disso a indústria cinematográfica tem utilizado ela bastante, devido aos guros que viajam ao mundo de promover e propagar sua prática
7- Sobre o futuro, o que você acha da RA 9850 ou da Lei Filipina Arnis?
R.A 9850 ou Lei Arnis serve obter mais apoio para todas as escolas de FMA, de modo a formar uma prática sólida e consistente que possa ser utilizada pelo Comitê Olímpico Filipino, gerando uma arte de bom padrão e alta qualidade.
8- Qual a sua opinião sobre a relação entre as FMA e pessoal defesa?
O FMA é a melhor maneira de aprender uma técnica que se adequa ao nosso padrão para proteção pessoal. O único conselho para todos na minha opinião é praticarcom uma mente aberta que esteja em conformidade com o senso comum do indivíduo, para que ele possa vir a regir de maneira correta em uma situação real.
9- Muito obrigado pelas suas respostas! Gostaria de deixar uma mensagem para o nossos leitores?
Muito obrigado pela grande oportunidade de ser entrevistado por você. Tudo o que posso dizer é todos devem buscar praticar a arte de maneira correta, seguindo o seu programa de treinamento, mantendo uma atitude correta e princípios elevados. "Não é sobre as técnicas, mas são os princípios por trás das técnicas". Pugay po e Mabuhay!
Entrevista com o GM Allan Fami
1- Olá! Obrigado por nos conceder esta entrevista. Você pode nos contar um pouco sobre seu começo com artes marciais?
Tudo começou quando eu era jovem, com cerca de 6 anos assistindo filmes de Bruce Lee. Eu estava ficava tentado a querer aprender Artes Marciais e sonhava em aprender Artes Marciais quando eu crescesse. Esse sonho não se materializou até chegar ao Colégio em 1993.
2- Sobre a FMA, como você conheceu esta modalidade? Como você começou e o que despertou seu interesse?
Meu interesse com as artes marciais filipinas começou quando eu era um calouro na faculdade, e me foi introduzido por meu professor, o Grão-mestre Ernesto Presas Sr., um dos mestres mais ilustres e famosos do FMA. Fiquei fascinado com a arte por causa de sua completude. Seja de mãos vazias, com armas ou luta no chão, você pode aprender tudo que é necessário para se defender.
3- Sobre a sua escola FMA, você pode nos contar um pouco? Que estilo e como funciona.
O Sistema Kalahi FMA é um sistema Arnis moderno modificado. É um Sistema de Combate que pode ser aplicado em uma situação real. Nenhum movimento extravagante, nenhum efeito excêntrico... apenas movimentos, diretos, rápidos e eficazes. O sistema foi criado para ser usado na luta real da rua. Treinamos com dos bastões para as armas e das mãos vazias para o combate de solo.
4- Sobre o Kalahi Custom Blades, você pode nos contar um pouco sobre isso?
Kalahi Custom Blades e Kalahi FMA Gear atendem às necessidades da comunidade de artes marciais filipinas. Kalahi Custom Blades fabrica e vende autênticas lâminas tradicionais filipinas, enquanto Kalahi FMA Gear fabrica e vende bastões de Arnis, armas de treinamento e outras coisas para treinamento FMA.
5- Qual é a sua opinião sobre as FMA aqui nas Filipinas hoje?
FMA nas Filipinas está começando a ser tornar organizado, unidos e com um futuro mais brilhante com a liderança do senador Miguel Zubiri, autor da Lei Arnis. Nós imaginamos que todos nós estaremos unidos logo, e que todos estaremos contribuindo para o sucesso de Arnis no campo dos esportes e das artes marciais.
6- Qual é a sua visão da FMA hoje no mundo
Eu vejo o Arnis crescendo e sendo reconhecido mundialmente, finalmente, tanto como artes marciais e quanto como esporte.
7- Sobre o futuro, o que você acha da RA 9850 ou da Lei Filipina do Arnis?
O RA 9850 fornece todo embasamento jurídico que faltava ao Arnis para serem reconhecidas como Artes Marciais e Esportes. Ele reconhece Arnis como nosso esporte indígena e apoia plenamente o seu reconhecimento nas Filipinas.
8- Qual a sua opinião sobre a relação entre as FMA ea defesa pessoal?
As artes marciais filipinas (FMA) apenas como toda e qualquer outra arte marcial oriental são aprendidas para que o praticante possa tirar vantagem da situação onde ele se encontre. FMA é prático porque pode ser usado em situações de mãos vazias, e também tem comprovada eficiência no combate com facas e outros cenários de armas afiadas. Além disso, gostaria de salientar que FMA Dumog (luta de chão) também é eficaz nos esportes em octógono. Em nosso sistema, temos um Programa para nossos alunos que pretendem se juntar ao mundo do MMA.
9- Muito obrigado pelas suas respostas! Gostaria de deixar uma mensagem para os nossos leitores
Agradecemos a oportunidade de apresentar nossa Arte e, particularmente, meu Sistema FMA. Kalahi FMA System está aberto a todos os que compartilham a mesma paixão conosco: promover uma arte útil, eficaz e prática.
Mestre Dada recebe Certficado de Honra
Mestre Herbert "Dada" Inocalla recebeu da Camara Legislativa do Distrito Federal um certificado de Honra ao Mérito pelos seus relevantes serviços prestados a população de Brasília na Praça da Harmonia Universal.
Parabéns mestre Dada!!!
3 Razões para explicar por que FMA é legal (para mulheres)
(Nota do tradutor) Antes de mais nada, FMA significa Filipino Martial Arts (Artes Marciais Filipinas) dentre as quais podemos encontrar o Arnis Kali, Pekiti Tirsia, Kali Silat e outras com origem nas Filipinas. Uma de suas peculiaridades é o combate com armas brancas, inclusive para iniciantes.
Logo abaixo segue mais uma das minhas traduções descuidadas. No caso um interessante artigo de Jackie Bradbury: praticante de artes marciais, professora, mãe e autora do blog The Stick Chick. As fotos e ilustrações vieram do blog da autora.
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Eu vou a vários seminários e treino com um monte de gente, não apenas na região de Dallas-Fort Worth, mas em todo Texas e nos Estados Unidos. Não é incomum para mim ser a única mulher na sala quando estou treinando. Mesmo em seminários pode se ver apenas uma ou duas outras mulheres em uma multidão de homens.

Isso não é algo exatamente incomum no mundo das artes marciais: mulheres serem a minoria no grupo. É algo que você tem que se acostumar quando você é uma mulher que gosta de praticar a violência como um hobby. Embora seja uma dessas, eu com certeza gostaria que pudéssemos ter mais mulheres para as artes marciais filipinas, porque é tão… Assim, feito para nós, sabe?
Aqui estão algumas razões:
As armas são um grande equalizador
Na realidade, em uma situação de autodefesa, 99% das pessoas vai preferir estar armada a desarmada. Uma arma de qualquer espécie é uma grande vantagem contra alguém desarmado. E isso é especialmente verdadeiro para as mulheres em situação de autodefesa contra um homem.
Eu já estou ouvindo alguns de vocês perguntando: “Quem anda por aí armado com um pedaço de pau?” (e talvez um riso ou dois).
O bastão é um substituto para outra coisa . Pode ser um guarda-chuva, uma bengala, uma mochila ou bolsa, uma caneta, uma faca, um facão, uma barra de ferro … qualquer ferramenta, realmente.
A nossa metodologia de treinamento se presta muito bem para armas improvisadas,e a maioria de nós anda por aí com algo, qualquer coisa que pode ser usada na hora de um aperto!
A força não é o principal fator
Ser forte é, claro, sempre uma vantagem em combates ou em situações de defesa pessoal. O FMA não é diferente. Mas ser forte não é, em si, o principal fator para ser bom no FMA Timing, velocidade e precisão (mira) são. Força é útil, é claro, mas o tempo, velocidade e precisão são as coisas que as mulheres podem desenvolver tão bem quanto os homens.
Assim, no FMA as coisas ocorrem num nível mais mais igual para as mulheres.
Ser mais baixo não é necessariamente um problema
Todos concordam que, se outras coisa forem iguais, ser alto e ter um longo alcance é definitivamente uma vantagem quando se trata de situações violentas. Nenhuma discussão nesse ponto.
No entanto, no FMA aprendemos a trabalhar com o que nos é dado (e a forçar o adversário a nos da o que queremos). Isso significa que nós aprendemos quais alvos são bons para acertar, não importa quem estamos enfrentando e como nos é apresentado. Eu tenho um aaltura de cerca de um metro e cinquenta e oito centímetros. Quando treino geralmente sou um dos adultos mais baixos no local. Assim, em vez de tentar acertar a cabeça de pessoas altas, tenho aprendido a tomar o braço (mão, punho, cotovelo, sob o bíceps), o tronco (alvos demais nessa parte para listar aqui), o pescoço, parte baixa do queixo, parte interna da coxa e as pernas como alvos contra pessoas mais altas. Eu entro dentro na guarda da pessoa e então …
É bastante impressionante .
Espero que mais mulheres escolham o FMA como uma arte marcial para praticar. Porque, como você pode ver, eu acho que é bem adequado para a artista marcial feminina média.O que você pensa sobre o FMA para as mulheres? Ou que outras artes marciais são legais para as mulheres e por quê? Eu gostaria de ouvir o que você pensa!
(Outra Nota do tradutor) Lembro que essa última pergunta foi da autora, mas sinta-se à vontade para comentar por aqui ou, se preferir e souber inglês, também pode falar direto com a autora na parte de comentários do artigo original.
Arnis Kali: algumas facetas de sua aprendizagem
O termo “marcial” é latino e se refere ao Deus Marte, o deus da guerra. Assim, uma arte marcial, por mais que tenha o seu aspecto saudável, esportivo, espiritual e artístico também possui uma raiz guerreira, militar. Sendo assim, por mais que o treinamento seja importante o treino de luta em si não deve ser ignorado. É o momento em que se “coloca os dados e roda o sistema”, sendo possível observar o que já está aprendido e o que deve ser melhorado. A avaliação de aprendizagem é um elemento muito importante, é a validação de treinamento e dentro desse contexto uma das melhores modalidades de avaliação será a luta. O treino sem avaliação pode se tornar uma armadilha, criamos vícios que podem ser trabalhosos para limpar no futuro. E existem certos aspectos que só poderão ser observados na luta. Mirar errado é um dos erros mais comuns, as pessoas treinam para não acertar o alvo e acabam se viciando em fazer isso. Muitas vezes o erro é sutil e só será percebido numa luta. Aprendemos muito por interação e o treino de luta é muito, mas muito, interativo.

fonte: ArteFilipina.com
A luta não precisa ser necessariamente de contato total. Quanto mais próximo do real melhor, mas existe uma relação custo x benefício a ser considerada. Regras e o uso de proteções como luvas ou capacetes são úteis para fazer com que essa relação compense. Até o MMA tem limites para garantir a integridade dos atletas. E mesmo assim, muitas lutas já foram canceladas porque os atletas se feriram em treinos mais pesados. Afinal, estamos falando de um trabalho físico extremo que provoca ferimentos. Assim, o realismo exagerado é pouco prático, gente quebrada não treina mais, em algos casos de forma definitiva. O que é ainda mais válido quando se treina com armas. Eventualmente uma luta mais “leve” pode ser até mais interessante para se praticar golpes ou manobras recém aprendidos e abrir espaço para uma auto avaliação. Sem a preocupação exagerada em vencer o praticante vai perceber o que funciona e o que não funciona na hora.
Observei isso por conta própria num treino de luta um dia desses. Havia um juiz estávamos com equipamento de proteção e bastões acolchoados. O juiz acompanhava a luta o dava pontos para quem conseguisse acertar o adversário. Não que isso me alegre muito, mas após um começo empatado eu perdi e de goleada, não marquei pontos. Mas apesar desse nunca ser um resultado desejado a derrota ensina. A grande maioria dos golpes que levei foi na mão. Se fosse um combate real minha mão provavelmente seria quebrada no primeiro ou segundo golpe e eu certamente não conseguiria segurar um bastão, ou qualquer outra coisa, por um bom tempo. Depois da luta o colega que fazia o papel de juiz, um faixa marrom, me explicou que o meu erro é que eu não estava recuando o braço para bater novamente, eu havia deixado ele exposto e o meu adversário usou isso a seu favor.
Alguns dias depois, treinando com um grande amigo e antigo parceiro de kung fu. Após comentar com ele sobre o treino de luta ele observou que eu praticamente não estava usando a ponta do bastão para golpear. Geralmente eu estava batendo na metade ou mesmo próximo da base, onde estava a minha mão. Era o tipo de detalhe que eu já devia estar fazendo há tempos, especialmente nas defesas. Meu amigo, que também é fisico, comentou que batendo com a ponta do bastão o golpe certamente ficaria mais forte, haveria mais transferência de energia cinética para o alvo.
Ele também observou outra coisa: que o reflexo de se defender com as mãos é algo básico, instintivo e como a maioria dos praticantes de artes marciais atua de mãos vazias e isso molda nossos reflexos. Porém no Arnis Kali e outros estilos Filipinos usam-se armas. Treinamos com elas até que se tornem uma extensão de nosso corpo. O alcance de um indivíduo armado geralmente é bem maior que outro desarmado. Com o detalhe que é muito, mas muito complicado usar as mãos para se defender de um ataque armado. E no Arnis treinamos com armas desde o início. O resultado é que a noção de alcance do praticante de Kali começa diferente dos que treinam outras artes. As armas vão diminuindo com o passar do tempo até finalmente chegar na extensão original do braço.

Reparem que a extensão do braço esticado é quase o dobro.
Fonte: http://martialartstimes.net/baton-francais/
Dentre os efeitos dessa diferença pode-se notar que praticantes de outras artes que treinam Arnis podem a ter uma dificuldade a mais, pois estão acostumados a usar as mãos na defesa e no ataque. Sendo que esse é justamente um dos primeiros alvos a ser atingidos com o bastão ou a faca. A mão é a “cabeça da cobra” segundo o Mestre Dada. A mão atingida é uma ameaça a menos. E conversando com outros praticantes, que já praticaram karatê ou jiu-jitsu, eles também já haviam observado essa peculiaridade do Arnis Kali em comparação aos estilos desarmados.
Para evitar a velha armadilha do “minha arte é melhor que a sua” lembro que a arte ou estilo escolhido é apenas uma parte de uma complexa equação que, entre outras coisas, vai envolver: professor/ treinador, afinco no treinamento, tempo empregado para treino, equipamento e a própria afinidade física e mental do praticante. Não existe arte perfeita, existem as que funcionam.
Datu Shishir Inocalla no programa Good Morning Boss
Datu Shishir Inocalla, um dos fundadores do Arnis Maharlika, esteve no programa Good Morning Boss - um jornal-magazine exibido pela People's Television Network, canal 4 das Filipinas.
Em sua entrevista o Datu contou sobre o trabalho para divulgação do Arnis, relações com o Brasil, seu centro de turismo marcial em Camarines Norte e ainda convidou o apresentador Aljo Bendijo para uma aula ao vivo.
Imperdível! O trecho está disponível no youtube:
O Sama-Sama de 2015 – parte 1
Creio que o nome acima vem do idioma filipino tagalog e significa “Encontro”. Nesse caso o termo descreve um evento de Artes Marciais Filipinas (FMA) ocorrido no final de 2015. Esta descrição não será cronológica mas apenas um apanhado de alguns aspectos que pude observar.
O evento foi um encontro de praticantes e Guros (mestres) organizado pelo Grão-mestre Dada Inocalla, com praticantes vindos de vários estados do país. Ele também foi um campo de treinamento, onde pude fazer workshops e conhecer outras técnicas ou estilos que me mostraram que as FMA são ainda mais ricas do que eu imaginava.
Se trocarmos o termos “arte marcial” por “literatura”posso dizer que eu estava participando de um sarau onde poderia conhecer diferentes modalidades, da crônica tradicional, passando pela prosa e chegando à poesia e ao soneto. A diferença é que a prosa usava chaves para travar as articulações como ombro, cotovelo e pulso, a poesia envolvia o uso de facas e os sonetos tinham versos que atingiam 12 diferentes pontos da anatomia do oponente. Pode soar engraçado, mas se considerarmos que existem diversos tipos de inteligência, dentre elas a motora que envolve o controle sobre o corpo, noções de espaço, distância e profundidade, creio que é justo dizer que eu estava assistindo à uma demonstração do estado da arte em termos de FMA no Brasil.
Um dos primeiros pontos que me chamou a atenção foi a diversidade. Como o sistema Inocalla é algo estruturado, com um currículo básico. Mas ao conhecer os outros participantes fui observando a diversidade de experiências. Haviam mestres que começaram em Jiu-jitsu, praticantes de Wing Chun, mestres de Hapkido, policiais, militares e outros.
Como já comentei antes o uso de armas é um dos diferenciais das FMA, com um especial interesse por armas improvisadas. Assim, começamos exercitando o uso de objetos pequenos objetos perfurantes, como canetas. Também fizemos um treinamento de sarong, o uso de tecido, como lenços e cachecóis, como armas para fazer chave articulares e imobilizar um oponente. Achei o uso desses materiais é particularmente difícil mas abre um mundo de possibilidades, qualquer pedaço de tecido de um tamanho razoável já serve. Nesse ponto tive o prazer de treinar com o guro Cravo do Rio Grande do Sul. Como também é um experiente praticante de jiu-jitsu ele estava muito “confortável” lidando com as chaves e mais ainda para ensinar o seu uso. O guro Cravo é uma daquelas pessoas que quebra alguns estereótipos de artes marciais. Um sujeito sereno, humilde e um também um professor centrado, profissional e meticuloso. Em alguns momentos ele chega a ser quase paternal, sem ser paternalista e nem um milímetro menos casca-grossa que os outros. De qualquer forma, simplesmente não vi como não gostar dele, e olha que em boa parte desse tempo ele havia feito voltas de tecido em torno do meu pescoço e pulso que não eram nada confortáveis. Mas, como o Cravo me explicou: criar um desconforto controlado é uma forma eficiente de tornar um oponente mais submisso e reduzir a necessidade de se realmente machucar a outra pessoa. É um exemplo de um pacifismo diferente do senso comum, mais pragmático mas ainda assim autêntico.
Claro que para o treino de sarong funcionar houve antes um treino prévio sobre as tais chaves articulares ou Ipit Pilipit, com o guro Alessandro Lucas. Nesse ponto, vimos o resultado do complexo trabalho do guro em conectar sua experiência na arte coreana do hapkido, as técnicas do Arnis e sua experiência. Essa aula mostrou bem o significado da frase “grandes poderes levam a grandes responsabilidades” algo enfatizado pelo guro ao demonstrar as possibilidades que as chaves oferecem: indo desde a simples imobilização até a morte de um adversário, sem fazer muita força. Nesse ponto ele detalhou até a anatomia humana para mostrar porque é preciso usar essas habilidades de forma responsável. Bastam cinco quilos (o peso de um saco de arroz) sobre a cervical para quebrar um pescoço, um empurrão mantendo o pé no lugar certo danifica os tendões do tornozelo e joelho, permitindo que você fuja sem ser perseguido, e um pinçamento de nervo na mão pode levar a uma dor paralisante.
fonte: Arnis Kali Maharlika RS
Dentre outras coisas ele me ensinou algo que eu nunca havia pensado: que nesse trabalho a dor é um elemento didático necessário para que o praticante saiba se o trabalho está ou não funcionando. Como ele diz, sem não um pouco de dor não há como saber se uma técnica foi adequadamente empregada. A dor é um componente de avaliação. E isso é muito diferente de machucar ou fazer alguém sofrer por simples sadismo ou se mostrar poderoso. Novamente, vemos a questão da responsabilidade.
Para se trabalhar inteligência motora como estávamos fazendo o corpo do colega e o seu próprio são as ferramentas. Algo demonstrado pela imensa noção de consciência corporal do guro Lucas quando ele explicou que pelo posicionamento do tronco, braço ou pernas do adversário é possível perceber o que ele vai fazer ou qual o melhor golpe a ser aplicado. Esse foi outro momento pude ver a criação, o aspecto mais artístico do Arnis, quando ele demonstrou o uso dos bastões em curta distância como pontos de alavanca para reforçar as chaves e comparou com o hapkido.
Outro elemento didático digno de nota é o sparring, nesse caso a pessoa que vai fazer o papel de alvo. Afinal, seria simplesmente impossível entender esses movimentos sem que eles sejam aplicados em alguém. Uma tarefa que coube ao guro Vanderlei, que com tranquilidade e estoicismo foi torcido, estrangulado e derrubado para nos ensinar. Ser “alvo” não é apenas algo para calejar, mas necessário para entender como se processam os movimentos e o que você está infligindo à outra pessoa. Devemos ser muito agradecidos à pessoas como o guro Vanderlei por fazer esse papel, é um dolorido exercício de aprendizagem e humildade que alguém está fazendo para ajudar você a aprender (Ed e Miguel, isso vale para vocês também). Sim, ser “alvo” também é uma forma de aprender, como o guro Vanderlei me mostrou depois ao aplicar chaves em mim.
Inclusive foi onde eu vi claramente os limites atuais da minha consciência corporal, eu sou simplesmente um um desastre com as chaves, como já havia observado nos exercícios de desarme Gal. Mas com a ajuda, e paciência, do guro Tales eu consegui avançar. Ele também mostrou um pouco arte do combate próximo. Algo que sempre achei complicado, ainda mais com bastões. Uma outra experiência muito interessante que vou deixar para o próximo post.
Entrevista com o SGM Danny Guba
1 - Olá Sgm Guba! Obrigado por esta entrevista! Você poderia nos contar um pouco sobre você?
Olá, obrigado. Comecei a treinar em 1964 na sede do Doce Pares em Cebu, Filipinas, onde fui instruído pelos grandes mestres da época - o falecido Gm 'Momoy' Cañete, Gm Magdalino Nolasco, o falecido Gm Inting Carin e Gm 'Loloy', Sgm Cacoy Cañete e Sgm 'Diony' Cañete. As Filipinas foram e ainda podem ser um lugar perigoso se você não for rico e eu era muito pobre. Armas são comuns e eu tenho as marcas de facas e balas ainda sobre o meu corpo hoje. Eu também participei de torneios contato pleno (full contact) e fui campeão do mundo em diversos eventos por alguns anos anos, até que me aposentei e se tornei treinador na sede do Doce Pares.
A partir daí eu passei a viajar e a realizar seminários na Nova Zelândia, Estados Unidos e em toda a Europa, até 1996, quando saí das Filipinas e me mudou para a Inglaterra, onde agora eu vivo em Londres. Eu promovi o estilo dos Doce Pares até 2010, quando eu comecei a promover o meu próprio estilo de Doce Pares chamado Guba Doce Pares. Este estilo é agora ensinado em mais de 27 países ao redor do mundo.
2 - Você foi sparring de Sgm Cacoy. Como foi essa experiência?
O ensino de Cacoy é muito diferente, eu me lembro que ele siplesmente jogou seu bastão no chão e ao buscá-lo eu passeia trabalhar com ele. Eu nunca esquecerei a primeira técnica que ele me bateu no peito e arrastou a punho do seu bastão no meu esterno, o que foi muito doloroso. A Segunda técnica ele segurou o meu polegar e me desarmou de uma maneira dolorosa. A próxima técnica que ele me aplicou foi me levar ao chão com um golpe de eskrido também bem doloroso. Eu nunca vou esquecer isso.
Depois disso nós treinamos em em Manila, em 1992, ele me desarmou quatro ou cinco vezes, e tudo que eu fiz foi pegar o meu bastão apenas para ele me desarmar novamente.
Enquanto nós treinávamos, eu acidentalmente acertei ele. Então ele veio até mim e tentou me parar, então ele me acertou e tentou atacar com o punho o meu rosto. Então, ele me jogou e eu apenas fiquei ali. Era com isso que uma disputa com Cacoy se parecia. Cacoy é o número um na curta distância e a única maneira de aprender isso era disputando com ele.
3 - Atualmente você mora no Reino Unido, onde administra o Guba Doce Pares International. Você pode falar sobre a sua organização?
Para ser franco e honesto Guba Doce Pares é o meu estilo, a técnica é o sistema multi estilo Doce Pares do Grandmasters Magdalino, Diony, Inting, Momoy, Loly e Cacoy, a partir deles que eu aprendi e me aprimorei, assim sem esses professores eu não sou nada. A organização foi criada para promover o estilo de Guba Doce Pares e apoiar todos os instrutores e alunos, não importa onde eles estejam no mundo. Somos uma grande família em mais de 27 países e em expansão. Como todas as famílias nós trabalhamos, disputamos e lutamos até o final de cada dia, onde vemos que somos um.
4 - Qual é a sua opinião sobre o cenário atual da FMA?
Quando eu estava nas Filipinas, o FMA não era praticado por que muitas pessoas, pois era a arte dps pobres e lutadores. Quando eu saí e me mudei para a Inglaterra eu encontrei pessoas de diversas partes do mundo e fiquei surpreso em ver quantas pessoas treinavam a arte de minha terra natal. Eu não esperava uma coisa dessas. Ao longo dos anos eu assisti essa arte se tornar ainda mais popular e vi Hollywood colocá-lo no cinema, o que é verdadeiramente chocante! Então, para mim é uma grande alegria quando alguém aprende a minha arte. É importante para mim que o mundo veja as Filipinas como produtora de muitas coisas, incluindo a nossa arte marcial.
5 - Quais são os planos futuros para o Guba Doce Pares no Brasil e no mundo?
Guba Doce Pares vai continuar a crescer e se expandir por todo o Brasil e espero que com o tempo eles comecem a produzir os seus próprios torneios. Guba Doce Pares está em expansão em todo o mundo e eu gostaria de ver os torneios internacionais e talvez até mesmo um seminário internacional para trazermos todos os países juntos.
6 - Qual é a sua opinião sobre a FMA e defesa pessoal?
Eskrima (Kali - Arnis) é para a luta. Ele nunca foi uma arte de campo de batalha ou um sistema educacional para crianças. Eskrima vem da rua. Desenvolveu-se principalmente nas ruas ao redor de Cebu e depois em todo o restante das Filipinas. Ela tem o propósito de ajudar a você ganhar uma luta o mais rápido possível e com o mínimo de danos possível. Por isso, é um pouco como perguntar se esta caneta é boa para a escrita, e a resposta é claro, que é pois ela foi projetada para isso. Ao mesmo tempo, embora também seja importante encontrar uma arte que combina com você. Essa é a beleza da arte marcial, o que é bom para mim pode não ser bom para você e vice-versa.
7 - Obrigado pela sua entrevista, você pode enviar uma mensagem para nossos leitores?
Se você é um artista marcial, tenha a mente aberta e respeitosa. Não há nenhuma nova técnica, pois todas já estão lá. Lembre-se "Meu ego é meu inimigo e meu adversário é meu professor".
P.S.: O Arte Filipina agradece ao guro Leonardo Pereira pela oportunidade dessa entrevista. Obrigado!