Arnis Kali Maharlika

  Conteúdo originalmente publicado no livro: ARNIS KALI MAHARLIKA: FILOSOFIA MARCIAL ISBN: 978-65-00-82111-6  escrito pelo Professor Tales de Azevedo em 2011. Este conteúdo é protegido por direitos autorais e não pode ser reproduzido sem autorização. Ao utilizar trechos deste material, favor referenciar a origem adequadamente.


Introdução

Sejam todos bem-vindos a esta edição revisitada e expandida do que começou, há quase uma década, como o "Guia de Estudo do AKM Arnis Kali Maharlika". Atualizamos o título para "Arnis Kali Maharlika: A Filosofia Marcial Inocalla", buscando refletir mais adequadamente a abrangência e profundidade deste livro. Vale ressaltar que o conteúdo aqui apresentado foi meticulosamente coletado através de entrevistas concedidas por Herbert "Dada" Inocalla e Allan “Shishir” Inocalla, de material sobre ambos disponíveis na mídia, e de conversas diretas que tive com Herbert Inocalla.

O AKM Arnis Kali Maharlika não é meramente uma coleção de técnicas de combate; ele representa uma filosofia de vida abrangente, que integra práticas físicas, espirituais e éticas. Neste livro, convido você a explorar essa riqueza multifacetada, que vai desde a arte do combate até a introspecção espiritual, unindo tradições históricas a abordagens contemporâneas.

Dentro desta arte marcial, dois mestres se destacam como faróis de inspiração e conhecimento: Herbert "Dada" Inocalla e Allan “Shishir” Inocalla. Suas filosofias e ensinamentos são o alicerce deste livro e servem como um guia para os praticantes do AKM Arnis Kali Maharlika. Eles personificam uma abordagem holística à vida, equilibrando aspectos físicos, mentais, emocionais, sociais e espirituais.

Ao longo das páginas, você encontrará uma gama de tópicos, desde as raízes históricas do Arnis em Camarines Norte até sua conexão com a espiritualidade, passando por sua estrutura técnica, orientações éticas e morais, e até a prática do autocuidado como uma extensão da filosofia marcial. Este livro tem algo a oferecer, seja você um aluno, instrutor ou simplesmente alguém interessado em artes marciais e filosofia de vida.

É minha esperança que este livro sirva como um recurso valioso em sua jornada pessoal dentro do universo do AKM Arnis Kali Maharlika. Mantenha a mente e o espírito abertos ao aprendizado, à indagação e, acima de tudo, à aplicação prática desses ensinamentos. Caso surjam dúvidas ou inquietações, sinta-se à vontade para buscar mais conhecimento, seja através do diálogo comigo ou com seu próprio mestre ou instrutor.

Obrigado por embarcar nesta empolgante jornada de descoberta e crescimento.

Boa leitura e Mabuhay! 

A Vida em Camarines Norte

No início do século XX, as Filipinas encontravam-se sob domínio dos Estados Unidos, após quase 300 anos como colônia espanhola. Esse período, marcado por um intenso desejo de independência, foi pontuado por resistências, levantes e, eventualmente, promessas americanas de eventual autogoverno e independência. Contudo, antes que esse sonho pudesse ser completamente realizado, a Segunda Guerra Mundial eclodiu. As Filipinas tornaram-se palco de intensos combates, sendo invadidas pelo Japão em 1941.

Durante a ocupação japonesa, a resistência filipina, auxiliada por forças americanas, desempenhou um papel crucial em guerrilhas e operações para libertar o arquipélago. A devastação da guerra deixou profundas cicatrizes no país, tanto estruturais quanto psicológicas. Em 1946, após o fim do conflito, as Filipinas finalmente alcançaram sua tão almejada independência, tornando-se uma república.

Esta busca por independência e o período subsequente de reconstrução nacional criaram o pano de fundo perfeito para a evolução das artes marciais nas Filipinas. Dentre as diversas regiões do país que desempenharam um papel nesse contexto está Camarines Norte, um lugar onde história, tradição e artes marciais se entrelaçam de forma única.

No entanto, o pós-guerra nas Filipinas foi marcado por uma série de desafios, incluindo a reconstrução de cidades e infraestruturas destruídas, a integração de guerreiros da resistência na sociedade civil e a busca por uma identidade nacional autêntica após séculos de domínio estrangeiro. Foi nesse cenário de reconstrução e busca por identidade que as artes marciais e os sistemas de combate encontraram terreno fértil nas Filipinas. Elas não apenas ofereciam uma forma de autodefesa, mas também serviam como um símbolo de resistência, disciplina e honra em um momento em que o país buscava redefinir-se no cenário global.

Localizada na região de Bicol, em Luzon, Camarines Norte tem uma área total de 2.320,07 km². A província é banhada pelo Mar das Filipinas ao nordeste, pela Baía de San Miguel ao leste, pela Baía de Lamon ao oeste, limita-se com a província de Quezon ao sudoeste e com Camarines Sul ao sudeste. Daet, a capital da província, fica a 342 km ao sudeste de Metro Manila, podendo ser acessada por uma viagem de ônibus de 8 a 10 horas ou de carro particular em 6 a 7 horas.

A história local de Camarines Norte é tão rica e complexa quanto a do país como um todo, sendo moldada por mudanças territoriais e influências coloniais. Esta província não foi apenas uma testemunha silenciosa dos eventos nacionais; ela também teve suas próprias narrativas de resistência, luta e, mais pertinente ao nosso foco, desenvolvimento das artes marciais.

Camarines Norte é uma província nas Filipinas situada na região de Bicol, na península de Luzon. A região tem uma história rica e complexa, moldada por influências externas e mudanças internas. Após a exploração da ilha por Juan de Salcedo em 1571, a região foi inicialmente estabelecida como Camarines em 1636. Em 1829, foi dividida em Camarines Norte e Camarines Sul, uma divisão que foi repetida várias vezes ao longo dos anos devido a mudanças políticas e administrativas.

Durante o período colonial espanhol, comunidades nativas como Mambulao e Paracale já estavam bem estabelecidos e eram principalmente habitados por Tagalos. A influência espanhola trouxe o cristianismo para a região, o que encontrou resistência em eventos como a Revolta de Daet em 1898, uma insurreição que procurava desafiar a colonização espanhola e suas práticas.

A ocupação americana no início do século XX trouxe outra camada de complexidade para a região. Em 1917, a província foi mais uma vez dividida e, finalmente, em 1920, foi oficialmente estabelecida como Camarines Norte. O desenvolvimento econômico e social durante este período foi notável, mas também veio com seu próprio conjunto de desafios e resistências.

A Segunda Guerra Mundial teve um impacto significativo em Camarines Norte. O primeiro encontro guerrilheiro nas Filipinas contra as forças japonesas ocorreu em Laniton, Basud, dentro da província. Este foi um momento crucial que marcou a resistência filipina contra a ocupação japonesa e demonstrou a resiliência e o espírito combativo dos habitantes de Camarines Norte.

Hoje, Camarines Norte é conhecido por suas belas paisagens, praias e recursos naturais, incluindo o Parque Nacional Minalungao e o Monte Labo. A província também tem uma economia em crescimento que depende principalmente da agricultura, pesca e turismo. A cultura rica e a história diversificada da região continuam a ser estudadas e celebradas, tornando Camarines Norte um fascinante microcosmo das Filipinas como um todo.

A família Inocalla, encabeçada por Vicente e Beatriz Inocalla, é um testemunho vivo da rica tapeçaria das tradições marciais das Filipinas. A família vivia em Labo, na província de Camarines Norte, situada perto de montanhas frequentadas por bandidos que atacavam a região circundante. Foi por essa razão que os agricultores e pastores locais desenvolveram sistemas de artes marciais com armas derivadas de seus instrumentos agrícolas e de caça. Esses sistemas eram praticados por membros respeitados da comunidade, que contribuíam para trazer sabedoria e disciplina ao treinamento. Homens como Leon Dasco, Santiago Tenorio, Sr., e o prefeito Felix Tenorio tornaram-se amplamente conhecidos como mestres praticantes dessas artes marciais, e suas reputações frequentemente eram suficientes para manter os bandidos afastados.

Leon Dasco, tataravô dos irmãos Inocalla, viveu na região por volta de 1800. Quando cercado por bandidos, Dasco deitava-se no chão e, usando apenas os pés, girava um grande bastão com poder devastador, que lhe permitia defender-se de qualquer número de agressores. Dasco era um lutador de Arnis tão renomado que a simples menção de seu nome era suficiente para desanimar e afastar bandidos e agressores.

Outro exemplo foi Santiago Tenorio, que viveu durante a primeira metade do século XX e estabeleceu sua reputação enquanto trabalhava como guarda-costas para Eugenio Dasco, avô dos Inocalla. Responsável por guardar o rebanho de carabaos, ou búfalos-d ‘água, ele era contratado para escoltar os animais por distâncias de até 300 quilômetros. Viajando sozinho pela selva e florestas, com um bastão sobre o ombro, tornou-se amplamente respeitado e temido pelos bandidos e ladrões que atacavam os viajantes.

Outro nome respeitado na região era Felix Tenorio, filho de Santiago Tenorio, que se tornou prefeito de Labo. Sua fama por si só era suficiente para impedir que bandidos e arruaceiros atacassem a cidade.

Durante a década de 1950, um período marcado pela transição e modernização das Filipinas, a família enfrentava ainda os resquícios da Segunda Guerra Mundial. Vicente Luna Inocalla, o patriarca da família, era não só um soldado que lutou bravamente na guerra, mas também um pugilista. Beatriz Inocalla também teve um papel notável: ela não apenas atuou em apoio aos soldados, mas participou ativamente das batalhas, sendo considerada uma figura forte e respeitada quando administrava a fazenda da família. Costumeiramente Beatriz se apresentava com jeans, tênis e um grande chapéu, um itak (facão) ao lado, um falar suave, mas firme em sua capacidade administrativa. Essa imagem reflete a presença e a influência das habilidades de combate na cultura da família Inocalla.

O legado de Vicente e Beatriz não parou por aí; eles deram origem a uma família numerosa, intrinsecamente ligada às artes marciais e ao combate. Desde cedo, os jovens Inocalla foram introduzidos ao Arnis e aos sistemas de combate tradicionais, muitas vezes sob a orientação de seu pai e outros veteranos da Segunda Guerra Mundial. O manuseio de objetos como facões era comum na educação marcial e utilitária da família. Estas habilidades eram úteis tanto em atividades agrícolas, como abrir cocos, quanto em atividades lúdicas, como acampamentos de escoteiros.

A família Inocalla também tinha uma forte afinidade com artes marciais estrangeiras, especialmente o Karate e o Judô/JuJitsu. Essas modalidades tornaram-se os pilares de treinamento entre os irmãos, particularmente os mais velhos como Casper, Frank, Melvin e Herbert. Com o tempo, esses irmãos assumiram a responsabilidade de ensinar os mais jovens, como Jess, Allan e Vicente Jr. A prática conjunta das artes marciais em casa não só fortalecia os laços familiares, mas também criava um ambiente propício para o compartilhamento de conhecimentos.

Forjando um Novo Caminho

Na década de 1950, as Filipinas passavam por uma época de transformação nas artes marciais. Até então, a modalidade "Juego Todo", conhecida por seu combate sem regras e frequentemente associada ao caos e à violência extrema, dominava o cenário. Foi nesse contexto que o Karatê começou a ganhar destaque, oferecendo uma abordagem mais disciplinada e estruturada às artes marciais. O grande catalisador dessa mudança foi Latino Gonzalez, que emergiu como uma figura pioneira na introdução e popularização do Karatê no país. 

Latino Gonzalez não foi apenas um entusiasta das artes marciais; ele era uma verdadeira força da natureza, conhecido como o "Grande Velho Homem" do caratê nas Filipinas. Fundador do Commando Self-Defense Club, ele estabeleceu o primeiro clube comercial de autodefesa nas Filipinas na metade da década de 1950. Ele criou um centro de treinamento que fundia tradições locais como o Arnis de Mano com influências externas, incluindo sua versão do Filipino Ditso (Ju-jitsu) e Kodokan Judo. Auxiliado por seus filhos Rolando e Roberto, ambos especialistas nas artes de combate, Latino inicialmente ensinou o estilo Kyokushinkai, mas depois mudou para o estilo Shorin-ryu - um estilo se originou em Okinawa e evoluiu ao longo de vários séculos. Inicialmente baseado em formas locais de combate desarmado, foi fortemente influenciado por artes marciais chinesas após estabelecer relações comerciais com a China no século XIV.

Com várias proibições de armas impostas ao longo da história, tanto por líderes locais quanto pelos samurais japoneses, os okinawanos adaptaram ferramentas agrícolas como armas e desenvolveram várias formas de combate desarmado. Estilos distintos emergiram das diferentes aldeias de Okinawa, cada um incorporando elementos tanto de sistemas externos quanto internos de luta. 

Em 1958, Latino Gonzales fundou a Philippine Amateur Karate Association (PAKA), uma organização que, em seu auge, contava com mais de 300 faixas pretas em todo o país. Para aprimorar seu estilo de caratê de Okinawa, Gonzalez contou com a colaboração de instrutores renomados como Seikichi Iha e Seigi Shiroma. Ele também foi frequentemente visitado por Grandmaster Katsuya Miyahira, a quem ele deve sua promoção ao 9º grau.

O legado de Latino não parou por aí. Ele também teve um impacto significativo no mundo do entretenimento, participando de filmes como "Karate Squad" (1964) e "Hari ng Karate" (1966). Este último aspecto é onde os filhos de Latino, Rolando e Roberto Gonzalez, entram em cena. Ambos seguiram os passos do pai não apenas como karatecas notáveis, mas também como atores de filmes de ação.

Roberto Gonzalez, nasceu em 1942 e entrando no universo cinematográfico em 1954 com o filme "Pilya". Ao longo de sua prolífica carreira, Roberto estrelou e escreveu para diversos filmes, destacando-se em produções como "Chaku-Judo Aikido" (1968), "Sa araw at gabi, saan ka pupunta?" (1987) e "Target: Karate King" (1969). Seu talento era evidente em cada performance, desde seu papel como o Rei do Karatê em "Digmaan sa karate" (1967) até sua atuação como em "Cabonegro" (1966). Além de sua carreira no cinema, Roberto também era conhecido por suas habilidades em artes marciais, tendo sido treinado e influenciado pela rica tradição marcial das Filipinas. Infelizmente, ele faleceu em 5 de fevereiro de 2009, em Tandang Sora, Quezon.

Rolando Gonzalez nasceu em 16 de novembro de 1939 na cidade de Silay, Negros Ocidental, ingressando no mundo do cinema mais tardiamente que seu irmão começando com "Black Belt Phantom" (1967), onde interpretou o Campeão Invicto de Judô-Karatê, "Tagisan ng lakas" (1974), "The Vice Squad" (1969) e "Kap'wa Limbas" (1970).

Ao longo de sua carreira, Rolando acumulou 43 créditos como ator, atuando em filmes desde 1965 até 1980. Seus papéis variaram desde filmes de ação tradicionais a histórias que envolvem artes marciais, karatê e judô, refletindo sua paixão e habilidades nessas disciplinas.

GM Rolando Gonzalez faleceu em 18 de abril de 2003, aos 63 anos. Seu legado no cinema filipino, particularmente no gênero de artes marciais, é inegável. Rolando também o mentor dos jovens Inocalla.

Além de suas respectivas carreiras no cinema, Roberto e Rolando Gonzalez também deixaram um legado significativo nas artes marciais, seguindo os passos de seu pai, Latino Gonzalez. Roberto, além de sua carreira cinematográfica, foi autor do livro "Karate Complete", focado no estilo Shorin-ryu. Tanto Roberto quanto Rolando foram promovidos ao 7º grau em Shorin-ryu Karate, uma distinção que reflete seu compromisso e proficiência na arte. Eles foram peças fundamentais na administração do Okinawa Shorin-ryu Karate após a aposentadoria de seu pai, mantendo vivo seu legado e contribuindo para a popularidade contínua do estilo nas Filipinas. A colaboração estreita com mestres renomados como Seikichi Iha e Seigi Shiroma ajudou a aprimorar ainda mais o estilo que aprenderam com seu pai. Após a morte de Latino, a administração e a propagação do estilo continuaram a ser realizadas por seus alunos mais antigos, garantindo que o impacto dos Gonzalez nas artes marciais filipinas permanecesse uma força viva e influente.

Enquanto o Karatê se firmava como uma força modernizante nas Filipinas, a família Inocalla e os Gonzalez emergiam como figuras centrais nesse cenário, representando a perfeita síntese entre a tradição e a inovação nas artes marciais filipinas. O legado dessas duas famílias serve como um poderoso lembrete do espírito resiliente e adaptável das Filipinas e de suas artes marciais.

Do Dojo ao Ashram

Foi na década de 1960 que as ideias do GM Remy Presas sobre a reformulação do Arnis, a Arte Marcial Filipina, começaram a ganhar destaque nas Filipinas. Devido ao sucesso na região de Hinigaram, líderes governamentais o convidaram para se estabelecer em Manila em 1968 e promover seu recém-criado Modern Arnis em nível nacional, juntamente com sua esposa Rosemary e seus irmãos Ernesto e Roberto. Uma vez lá, ele não apenas ensinou o Arnis aos seus compatriotas, mas também buscou expandir sua influência além das fronteiras filipinas. Com o intuito de atingir ainda mais pessoas, inaugurou um novo ginásio e fundou a Organização Nacional Amadora de Karate (NAKO). Através da NAKO, começou a ensinar em diversas instituições educacionais de Manila, promovendo o Arnis como uma arte marcial de calibre mundial, paralelamente ao Karate e ao Judô. Durante este período, fundou a Modern Arnis Federation of the Philippines (MAFP).

Nessa época, o Modern Arnis passou a ser ensinado em diversas instituições educacionais, desde escolas até universidades, e as cerimônias de graduação em Arnis logo se tornaram um evento célebre no cenário esportivo filipino. Seus espetáculos atraíam grande atenção, inclusive de figuras influentes como o então presidente Ferdinando Marcos. Isso impulsionou ainda mais o número de alunos interessados, levando à fundação da Federação de Arnis Moderno das Filipinas.

Na década de 1960, Allan "Shishir" Inocalla teve sua primeira experiência com a Ananda Marga, uma organização espiritual e social que tinha começado a ganhar destaque no cenário global. Seu irmão Casper Inocalla foi o catalisador dessa introdução, ao fazer contato inicial com a organização e compartilhar seu fascínio com seus irmãos. Allan foi especialmente receptivo e, aos 12 anos, fez uma escolha de vida surpreendente: ele decidiu ingressar na vida monástica. Sob a orientação de Dada Sumitananda, um líder espiritual da Ananda Marga, cujo nome significa Caminho da Bem-aventurança, Allan mudou-se para a Índia. Ali, ele foi iniciado e recebeu o nome espiritual "Shishir", que continua a usar até hoje.

O período que Shishir passou na Índia foi transformativo, para dizer o mínimo. Ele foi imerso em uma rotina rigorosa de meditação, estudos filosóficos e práticas yogues. O treinamento era intenso e desafiador, mas Shishir estava determinado a prosseguir, sentindo que cada obstáculo era um teste de sua dedicação e sinceridade. Durante esse tempo, ele também teve a oportunidade de treinar sob a tutela de seu mestre espiritual, Guru Baba. A relação mestre-discípulo foi crucial para seu crescimento espiritual e autoconhecimento. Shishir teve experiências profundas e místicas, incluindo estados de transe e encontros espirituais que ampliaram sua percepção sobre a espiritualidade e o propósito de vida.

Além de Shishir, seus irmãos Herbert, Marilou, Betty e Jess também se sentiram atraídos pela filosofia da Ananda Marga. Cada um a seu modo, eles abraçaram o caminho da "bem-aventurança", como sugere o nome da organização. Essa era uma fase de transformação espiritual não apenas para Shishir mas para toda a família Inocalla. A adesão à Ananda Marga tornou-se um pilar significativo em suas vidas, influenciando suas perspectivas sobre bem-estar humano, crescimento espiritual e responsabilidade social.

Herbert Inocalla teve uma trajetória bastante distinta antes de se juntar à Ananda Marga. Estudando Arquitetura no prestigiado Mapua Institute of Technology, ele se envolveu com a 'Alpha Phi Omega', uma Fraternidade Internacional Filipina que buscava fomentar a liderança e o serviço comunitário. Além da formação acadêmica, Herbert também continuou a se aprofundar na arte marcial do Arnis, beneficiando-se do novo foco e estruturação que essa arte estava recebendo através de iniciativas do GM Remy Presas e do governo filipino. Herbert não se limitou à vida acadêmica e marcial; ele também ingressou no Philippine Military Training (PMT), onde alcançou a patente de Tenente Coronel do exército Filipino.

No entanto, algo dentro dele buscava um caminho diferente, mais espiritual. Influenciado pelo ingresso de seu irmão Allan "Shishir" na Ananda Marga, Herbert também sentiu o chamado e decidiu embarcar na vida monástica. Na Índia, ele foi iniciado e recebeu o nome espiritual de Acarya Yogabrata, um título que reflete a sua dedicação e compromisso com a busca da consciência cósmica. "Acarya" denota alguém que ensina pelo exemplo, enquanto "Yogabrata" simboliza uma firme determinação para unir-se à consciência cósmica.

Já na Índia, Herbert e Shishir tornaram-se parte ativa de diversas iniciativas da Ananda Marga, incluindo a AMURT (Ananda Marga Universal Relief Team), um programa humanitário que busca melhorar as condições de vida de pessoas em situações vulneráveis. Este programa alinha-se perfeitamente com os princípios de autorrealização e serviço altruísta que ambos os irmãos abraçaram. Eles se envolveram em projetos que iam desde a distribuição de alimentos e medicamentos até o fornecimento de educação básica e treinamento vocacional. Um exemplo notável vem da experiência de Shishir em Bangladesh. Nesse país, ele foi além do simples fornecimento de ajuda material; ele aplicou seus princípios espirituais na prática ao oferecer conforto e orientação às pessoas em situações extremamente difíceis. Bangladesh lhe ofereceu uma oportunidade única de colocar em prática os princípios de autorrealização e serviço ao próximo, ensinados na Ananda Marga, em um cenário onde a necessidade era imediata e palpável.

Sendo monges, a atuação de Herbert e Shishir não se limitava apenas à logística de ajuda humanitária; eles também assumiram papéis de liderança espiritual. Eles organizavam e participavam de sessões de meditação, workshops sobre filosofia espiritual e promoviam o desenvolvimento humano integral. Seus esforços eram voltados para ajudar as pessoas a alcançarem um estado de bem-estar físico, mental e espiritual, em harmonia com os princípios da Ananda Marga.

Essa fase da vida de Herbert e Shishir serve como um lembrete poderoso de que o desenvolvimento pessoal e o serviço à comunidade não são objetivos mutuamente exclusivos; na verdade, eles muitas vezes se alimentam e se complementam. Seja através de suas realizações acadêmicas e militares ou através de sua devoção ao caminho espiritual da Ananda Marga, Herbert e Shishir mostraram que é possível levar uma vida plena e significativa em várias frentes. Eles exemplificam o verdadeiro espírito da Ananda Marga, um caminho que não se limita a um único aspecto da vida, mas que abarca a busca pela autorrealização e pelo bem-estar humano em todas as suas facetas, e que posteriormente seria refletido na formulação do Arnis Kali Maharlika.

Em tempos de Guerra Fria, a filosofia da Ananda Marga sobre crescimento espiritual e transformação social e econômica passou a ser vista como preocupante pelo governo indiano. Isso culminou em perseguições contra a Ananda Marga e seu fundador, Prabhat Ranjan Sarkar, conhecido como Shrii Shrii Ánandamúrti, nos anos 1970. Shrii Shrii Ánandamúrti foi alvo de perseguição devido à sua influência crescente, tanto em termos espirituais quanto sociais. Sua organização, Ananda Marga, também estava ganhando terreno, o que acabou levantando preocupações entre certos grupos políticos e religiosos na Índia.

Sarkar foi preso em 1971 sob acusações de conspiração e assassinato. Estas acusações foram posteriormente reveladas como falsas, e muitos acreditam que foram orquestradas para silenciar suas críticas ao governo e suas políticas corruptas. Shishir Inocalla foi um dos monges que chegaram a ser detidos temporariamente durante esse período. Essas perseguições viriam a piorar nos anos seguintes, principalmente durante o Estado de Emergência na Índia, declarado durante o governo da primeira-ministra Indira Gandhi. A Ananda Marga foi ainda mais perseguida, muitos membros foram presos e houve relatos de tortura.

A mídia também desempenhou um papel na criação de uma imagem negativa da Ananda Marga. Histórias frequentemente distorciam os ensinamentos e práticas da organização, divulgando informações frequentemente vagas e construídas em cima do que hoje conhecemos como “Fake News”. É importante notar que a Ananda Marga, como organização, sempre defendeu a não-violência e a transformação social através da espiritualidade e do serviço à sociedade. Apesar das várias formas de perseguição, a organização e seu fundador mantiveram uma postura de resistência pacífica e continuaram suas atividades espirituais e sociais.

O Arnis também viveu momentos turbulentos na década de 1970 nas Filipinas, quando o GM Remy Presas descobriu que alguns alunos tinham envolvimento em práticas ilícitas, como a adulteração de ingressos de um torneio que organizava. Decepcionado, Remy os expulsou. Em resposta, esses ex-alunos criaram a NARAPHIL (Associação Nacional de Arnis das Filipinas), que sob a liderança de um general, cresceu rapidamente utilizando uma abordagem que consistia em coagir escolas e mestres de Arnis a se afiliarem à organização e ameaçar de morte aqueles que não o faziam. O GM Presas foi um dos que foram ameaçados, de forma que ele solicitou asilo político nos EUA em 1976.

Em meio às turbulências, houve também momentos de conquista para a família Inocalla. Em 1974, Marilou Inocalla, irmã de Herbert e Alan, se formou em medicina na Far Eastern University / Dr Nicanor Reyes Medical Foundation Institute Of Medicine, que fica em Quezon, nas Filipinas. Nesse mesmo ano, Casper Inocalla patenteou uma invenção revolucionária no campo da agricultura. Com o número de patente UM. 1547, emitida em 11 de julho de 1974, a invenção era um veículo utilitário que podia funcionar tanto como um jipe quanto como um trator, graças a um sistema de rodas de aço convertidas e uma tomada de força conectada a um diferencial principal.

Os irmãos Allan e Herbert Inocalla optaram por sair da Índia após o recrudescimento do governo contra a Anada Marga. Shishir Inocalla regressou às Filipinas e retomou seus estudos com os mestres Gonzales e Pepito Robos, alunos de longa data de GM Remy Presas.

Herbert Inocalla chegou ao Brasil em 1974 e rapidamente começou a palestrar em diversas cidades do país. Durante este período, ele foi conhecido como Dada Inocalla, um termo de respeito usado para professores, semelhante a chamar alguém de irmão mais velho. Em 1976, após fixar residência em Brasília, Dada Inocalla teve a oportunidade de conhecer Mestre Moo Shong Woo, também conhecido como Mestre Woo. Originário de Taiwan e residente em Brasília desde 1968, Mestre Woo era médico, monge, poeta, arquiteto e professor de Tai Chi Chuan e outras artes marciais. Ele foi uma das primeiras influências significativas em Tai Chi e medicina chinesa para Dada Inocalla.

Em 1978, Dada decidiu abandonar a vida monástica e fundar sua própria academia de artes marciais, chamada Magka-Isa, que em Tagalog significa "todos são um". A academia passou por várias mudanças de endereço em Brasília, começando na 211 Sul, depois indo para a 212 Sul, e finalmente se estabelecendo na 704 Norte, onde permanece até hoje.

Além de Mestre Woo, Dada Inocalla também foi influenciado por outros mestres renomados em Brasília. Ele conheceu o Prof. Zhao Deming, um professor de língua chinesa na Universidade de Brasília (UnB) e especialista em Tai Chi e Chi Kung, e o Mestre Wang Shao Po, conhecido por seu trabalho em Kung Fu Wu Shu, Tai Chi Chuan e medicina chinesa. Dada também estudou pintura chinesa com o Prof. Hang Wu.

Esses encontros e experiências diversificadas não só expandiram seu repertório em artes marciais, mas também o introduziram a outras dimensões da cultura e do conhecimento tradicional oriental. A trajetória de Dada Inocalla no Brasil, portanto, é marcada por uma rica tapeçaria de influências e aprendizados que fizeram dele um mestre completo em várias disciplinas.

AKM: A Evolução de uma Arte Marcial

A jornada de Shishir Inocalla no mundo das artes marciais levou-o para fora das Filipinas em 1980, estabelecendo-se inicialmente no Canadá. No entanto, foi em 1982, durante uma competição de artes marciais em Portland, Oregon, que ele encontrou um mentor e figura que mudaria o curso de sua vida marcial e pessoal: o Grande Mestre (GM) Remy Presas. Shishir havia acabado de concluir uma forma inovadora de Arnis e conquistou o terceiro lugar na divisão de armas de cinturão preto no torneio Kung Fu/Karate de Fred King. Foi então que GM Presas, impressionado com o desempenho de Shishir, se aproximou dele para parabenizá-lo. Juntamente com Presas estava Sensei Pat McCarthy, amigo de Shishir. O grande mestre cumprimentou Shishir com um caloroso 'Meu filho, você é muito bom', acompanhado de um enorme sorriso.

Esse encontro inicial rapidamente se transformou em uma relação profunda e significativa. Shishir se juntou ao grupo de alunos de Modern Arnis de GM Presas e, em 1984, foi honrado com o título de Datu, uma distinção que vai além do reconhecimento de habilidades marciais, simbolizando também liderança e uma profunda relação de confiança mútua entre mestre e aluno. Essa ligação foi ainda mais fortalecida quando Shishir assumiu o cargo de vice-presidente da International Modern Arnis Federation, colaborando estreitamente com GM Presas na divulgação global da arte marcial.

A relação entre Shishir e GM Presas não se limitou apenas ao dojo; tornou-se uma ligação pessoal profunda. GM Presas atuou como mentor, professor e até mesmo como figura paterna para Shishir. Tão estreito era o vínculo entre eles que GM Presas até se tornou padrinho do filho de Shishir, Jesse Inocalla. A relação entre eles exemplifica a essência do que uma verdadeira relação mestre-aluno pode ser, uma mescla de respeito profissional, orientação pessoal e amor genuíno. Essa relação foi ainda mais solidificada quando Shishir assumiu o cargo de vice-presidente da International Modern Arnis Federation, ajudando GM Presas a divulgar a arte marcial pelo mundo.

GM Presas era um pensador profundo, acreditando que os maiores inimigos de um artista marcial eram internos, como o ego e a vaidade. Essa visão filosófica se alinhava perfeitamente com a decisão dos irmãos Inocalla de fundar a escola AKM Arnis Kali Maharlika. Esta escola não apenas ensinava as técnicas do Arnis, mas também incorporava princípios espirituais e filosóficos, refletindo uma visão holística da arte marcial.

Nos anos 90, Shishir expandiu sua atuação para o cinema, fazendo participações como ator e dublê em diversos filmes e séries. Esta incursão na sétima arte foi uma continuação do legado do mestre Gonzales, que também tinha explorado as possibilidades de representar artes marciais no cinema. Shishir conseguiu trazer um nível de realismo e profundidade às suas performances que eram claramente influenciadas por sua formação marcial.

Dentre as produções do Datu Shishir, podemos destacar "Teenage Mutant Ninja Turtles III" de 1993, onde atuou como o personagem Michaelangelo. Além disso, ele fez parte da série "Ninja Turtles: The Next Mutation" entre 1997 e 1998, e participou como dublê em filmes como "Black Point" (2002), "Crying Freeman" (1995) e "The Hunted" (1995). Shishir também atuou como ator em "The Process" (1998) ao lado de Ernie Reyes Senior, Junior e Lee Reyes e foi coprodutor desse mesmo filme.

Durante esse período produtivo em sua carreira cinematográfica, Datu Shishir não se limitou apenas às artes visuais; ele também se dedicou à escrita e foi autor de importantes obras como "Veintenueve. Balisong. Filipino Knife Fighting" e "Orasyon. Meditation. A Warrior's Path to Enlightenment", que expandem a compreensão sobre as artes marciais filipinas e a espiritualidade que as permeia. Em 1996 Datu Shishir foi condecorado pela embaixada Filipina no Canadá.

No Brasil o GM Herbert "Dada" Inocalla se aprofundou em outras vertentes das artes marciais e da cura. Além de sua expertise em Arnis, ele se dedicou ao estudo do Tai Chi, explorou mais profundamente a espiritualidade e a Medicina Tradicional Chinesa com o Grão Mestre Woo. Esses diversos caminhos de aprendizado e ensino reforçam como ambos os mestres têm uma abordagem holística e integrada das artes marciais, vendo-as não apenas como uma forma de combate, mas também como um caminho para o bem-estar físico, emocional e espiritual.

Em 5 de agosto de 1999, foi fundada a International Modern Arnis Federation de Hong Kong. Datu Shishir Inocalla fez parte do corpo de diretores, juntamente com figuras renomadas como o mestre Samuel "Bambit" Dulay, Guro Ed Kwan e Guro Abner Anievas, que assumiu o cargo de presidente da organização. Além disso, o Arnis Maharlika atuou como conselheiro especializado da instituição, contribuindo com sua rica herança e conhecimento em Arnis para o desenvolvimento e aprimoramento da federação.

Em 23 de janeiro de 2000, a International Modern Arnis Federation Philippines emitiu uma declaração oficial do Prof. Remy Amador Presas, reconhecido como o Pai do Modern Arnis e fundador da federação. Na declaração, Presas reconheceu e confirmou a nomeação de vários membros do conselho e diretores executivos centrais em suas respectivas posições, reiterando a necessidade de aderir às regras e regulamentos da organização. Ele também autorizou um grupo exclusivo sob sua supervisão a usar e carregar o nome da International Modern Arnis Federation Philippines. Allan "Shishir" Inocalla foi nomeado Presidente Nacional e Diretor Executivo Chefe. O documento também listou outros indivíduos em vários cargos, incluindo Samuel "Bambit" Dulay como Instrutor Chefe e Coordenador Geral, entre outros. A principal missão reforçada pelo Prof. Presas foi a propagação do Modern Arnis como objetivo primordial da organização.

Infelizmente, o mundo das artes marciais sofreu uma grande perda com o falecimento de GM Presas em 2001. Em homenagem ao seu legado e em respeito à sua memória, os irmãos Inocalla optaram por passar a utilizar tão somente o nome Arnis Kali Maharlika.

Essa mudança não foi apenas nominal, mas também filosófica. Ao adotar o nome Maharlika, os irmãos buscavam capturar o espírito e a resiliência do povo filipino, ao mesmo tempo em que continuavam a missão de GM Presas de promover uma arte marcial que não era apenas física, mas também espiritual e emocionalmente enriquecedora. Este capítulo, portanto, serve como um testemunho abrangente das vidas e contribuições dos irmãos Inocalla para a arte do Arnis, uma jornada que foi profundamente influenciada pelo seu relacionamento com GM Presas.

O nome "Maharlika" possui um rico significado histórico e cultural. "Maha" traduz-se como grande ou nobre, e "Likha" significa criação. Juntas, essas palavras formam "Maharlika", ou "criação nobre", um termo que historicamente foi utilizado para designar o arquipélago que hoje conhecemos como Filipinas. É importante lembrar que o nome "Filipinas" foi imposto durante o período colonial espanhol, e em diferentes momentos da história recente, houve discussões políticas sobre a possibilidade de restaurar o antigo nome das ilhas.

Na antiga cultura Tagalog, Maharlika também se referia aos guerreiros nobres que defendiam a sociedade em tempos de conflito. A palavra tem suas raízes no termo sânscrito "maharddhika", que significa "homem de riqueza, conhecimento ou habilidade". Essa multiplicidade de significados torna o termo profundamente rico e multifacetado.

Para os irmãos Inocalla, a adoção do nome "Maharlika" para sua escola de Arnis foi uma decisão bem ponderada e significativa. Primeiramente, o nome serve como uma homenagem direta à sua herança cultural filipina, aludindo especificamente à classe de guerreiros nobres que tinham um papel crucial nas estruturas sociais e militares das Filipinas pré-coloniais. Além disso, o termo "Maharlika" está em sintonia com os princípios centrais da escola, que visam não apenas ao ensino de técnicas de combate, mas também ao desenvolvimento humano de forma integral e holística.

Portanto, o nome "Maharlika" não é meramente um rótulo para a escola de Arnis fundada pelos irmãos Inocalla. É uma declaração de princípios, uma reverência à sua cultura de origem e um manifesto da visão que eles têm para o impacto que desejam gerar na vida de seus alunos.

Entre 2003 e 2011, Datu Shishir Inocalla serviu como treinador de bem-estar na Canyon Ranch Florida e na sede mundial da David Leadbetter Golf Academy. Em 2005, ele recebeu o título de Grandmaster pelo Grandmaster Sokeship Council, sediado na Flórida, EUA.

Em 2009, a FAME Federação Artes Marciais Educativas do Distrito Federal foi fundada pelo mestre Paulo Roberto Borges. A instituição visava tratar as artes marciais não apenas como uma série de socos e chutes, mas como uma forma de formação de caráter, promovendo o respeito, a valorização da família e a dignidade humana. Esses são valores que estão em sintonia com os defendidos pelo AKM Arnis Kali Maharlika. Não é surpresa que o GM Herbert Inocalla tenha sido então convidado a integrar o conselho filosófico da federação e a introduzir o Arnis como parte dela.

Em junho do mesmo ano, a então Presidente das Filipinas, Gloria Macapagal-Arroyo, fez uma visita ao Brasil. No dia 24 daquele mês, Herbert Dada Inocalla e alguns de seus alunos tiveram a oportunidade de encontrá-la e apresentar um documento solicitando apoio governamental às artes marciais filipinas e aos seus mestres, tanto nas Filipinas quanto internacionalmente. Esse documento teve um papel crucial para evidenciar ao governo filipino a necessidade de apoio estatal para a continuidade e o crescimento da tradição marcial do país, culminando na aprovação do ato republicado nº 9850, que regulamenta a arte marcial filipina, alguns meses depois.

Ainda em 2009 GM Herbert “Dada” Inocalla foi homenageado na Assembleia Legislativa de São Paulo em um evento organizado pela Bueno Editora para homenagear os Grandes Mestres das Artes Marciais no Brasil e lançar o livro homônimo – que recebeu nas edições nos anos seguintes, sempre trazendo a biografia do GM consigo.

O GM Herbert "Dada" Inocalla, assim como seu irmão e seu mestre, tem uma presença notável no mundo do audiovisual, com várias aparições em programas de TV, filmes e documentários. Sua expertise em artes marciais chamou a atenção do renomado diretor, produtor e roteirista Santiago Dellape. Graças à sua habilidade com armas improvisadas, como bastões, Herbert teve um papel de destaque no curta-metragem "Ratão", que foi premiado em diversos festivais, incluindo o Festival de Cinema de Gramado e o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Além disso, ele também participou de uma campanha publicitária para os Jogos Olímpicos de 2016. Devido ao seu talento e carisma, Dada é frequentemente convidado para participar de uma variedade de projetos de mídia, consolidando ainda mais sua influência e contribuição para as artes marciais e a cultura popular.

Em 24 de setembro de 2016, Shishir Inocalla liderou o Filipino Martial Arts (FMA) Unity Gathering 2016, realizado no Holiday Gym and Spa em Davao City. O objetivo era reunir organizações de FMA do país e promover a Lei da República 9850, buscando sua institucionalização e implementação adequadas. O evento contou com a participação de oito organizações, incluindo Mandirigmang Kaliradman, Kaparirang Doble Olisi, Jedoo Arnis e Modern Arnis Gym, que demonstraram técnicas de arnis. Após o evento em Davao, Inocalla visitou outros países para promover a modalidade e incentivar estrangeiros a conhecer as Filipinas e sua cultura. A organização do evento foi fruto de uma parceria entre Inocalla, Jay-ann Segura, Reynaldo "Ryan" Cordero e Tek Victoria, e contou com o apoio de várias instituições.

Em 2023, uma resolução governamental foi publicada nas Filipinas, reconhecendo e homenageando Datu Shishir Inocalla por suas significativas contribuições no campo das artes marciais, especificamente em arnis. Allan Inocalla não apenas fundou instituições educacionais, mas também iniciou projetos sustentáveis em Camarines Norte.

Shishir Inocalla é o fundador da Sport Arnis Global Community, uma organização global que reúne líderes, treinadores, mentores, estudantes e atletas da arte marcial Arnis Kali Escrima. A principal aspiração dessa comunidade é elevar o Arnis ao status olímpico. A organização tem como propósito fornecer uma estrutura para todos os seus membros, permitindo que eles participem de programas de alta qualidade e seguros, e que possam competir em nível mundial.

A Sport Arnis tem como objetivo expandir o reconhecimento do Arnis como um programa esportivo e atlético que permita que todos os praticantes e competidores de Arnis tenham a oportunidade de medir suas habilidades em um ambiente seguro e divertido, que seja inclusivo e respeite o acesso igualitário para todos. Além de enfatizar o bem-estar mental e a educação física, a Sport Arnis oferece sistemas de graduação e promoção, bem como a opção para atletas competirem em eventos organizados, com o intuito de desenvolver o caráter e promover a boa vontade dentro da comunidade.

A organização se fundamenta em cinco pilares:

  • Comunidade: que valoriza a apreciação da cultura filipina;
  • Conscientização: para expandir o reconhecimento do Sport Arnis;
  • Unidade: visando unir as comunidades canadenses de Arnis;
  • Segurança: enfatizando a prática e a competição seguras;
  • Educação: com o intuito de compartilhar as Artes Marciais Filipinas e a história por trás delas.

Atualmente, o AKM Arnis Kali Maharlika mantém relações de amizade com diversas escolas e mestres ao redor do mundo, incluindo Ama Guro Jun de Leon (Kali DeLeon), Mestre Samuel Bambit Dulay (International Modern Arnis Federation) e Guro Joeffrey Orosco, entre outros grupos. Além disso, a escola se empenha na divulgação e ensino do Arnis em âmbito nacional e internacional.

Atualmente GM Shishir Inocalla está nas Filipinas, onde se dedica a projetos de bem-estar e autossuficiência em Camarines Norte, como a "Green Brigade" e "Arnis Camarines Norte", focados em autodefesa, empoderamento e bem-estar comunitário. Por meio do apoio de voluntários, membros e doações, e estendendo esses programas para outras regiões do mundo. Ambos os mestres, cada um à sua maneira e em seus respectivos territórios, continuam a expandir o legado do AKM Arnis Kali Maharlika, reafirmando a arte marcial como um instrumento poderoso para a transformação social, pessoal e espiritual.

GM Herbert "Dada" Inocalla atua ministrando aulas regulares em sua academia e realizando eventos e workshops por todo Brasil. Além disso o GM Dada busca apoiar no desenvolvimento social de Brasília atuando em frentes junto ao Governo do Distrito Federal., inclusive sendo designado como Membro Titular do Conselho dos Direitos do Idoso, reforçando seu alcance e impacto. Inocalla tem sido um instrutor regular na Academia Buriti, onde ministra aulas de Arnis Kali, Tai Chi, Chi Kung e Yoga. A culminação de sua trajetória foi a concessão da Medalha do Mérito Buriti em dezembro de 2021, um reconhecimento oficial do Governador do Distrito Federal pelos seus serviços excepcionais. Esse prêmio destaca sua influência e importância, não apenas como professor, mas também como um cidadão engajado em melhorar a qualidade de vida em sua comunidade.

Nas palavras do GM Herbert Inocalla: “Precisamos buscar uma nova forma de educação para as pessoas. Ilustrando um exemplo, da mãe águia, que primeiro leva comida até a boca do filhote. Depois disso, ela ensina o seu filhote a voar, as vezes tendo de dar um empurrão nele para fora do ninho. Após isso, ela o ensina a caçar sua própria comida. Caso ele não aprenda a voar e a caçar sua comida, ele se tornará comida de outros animais. Sempre há predadores. Com a arte marcial é a mesma coisa. Com o FMA podemos trabalhar para o desenvolvimento desse ser completo. Aqui aprendemos a ganhar determinação, coordenação motora, reflexo, firmeza, paciência, persistência, qualidades que todos temos mas que nem todos cultivam, perdendo tempo treinando apenas o lado material e esquecendo o espiritual”.

Arte Marcial e Desenvolvimento Pessoal

O AKM Arnis Kali Maharlika é mais do que apenas uma forma de arte marcial; é uma filosofia de vida que integra princípios éticos, táticos e espirituais. Originária das Filipinas, essa arte marcial oferece uma abordagem holística para a autodefesa e o bem-estar pessoal. Neste texto, vou explorar alguns dos princípios fundamentais do AKM Arnis Kali Maharlika, que vão desde a importância de expressões corteses até a conscientização corporal e a prevenção como a primeira linha de defesa.

A cortesia e o respeito são tão cruciais em AKM Arnis Kali Maharlika quanto qualquer técnica de luta. Expressões como "por favor" e "obrigado" são enfatizadas não apenas como uma questão de etiqueta, mas como uma forma de evitar conflitos desnecessários. Essas "palavras mágicas" atuam como amortecedores sociais, ajudando a desarmar tensões e abrir caminho para a resolução pacífica de disputas. 

A negociação é outro aspecto vital. Em vez de ver a violência como a primeira opção, o AKM Arnis Kali Maharlika promove a ideia de que a negociação pode ser uma forma eficaz de autodefesa. Isso não sugere fraqueza; pelo contrário, requer uma presença de espírito e habilidades de comunicação afiadas para acalmar situações potencialmente perigosas. 

Se a negociação não for viável ou falhar, manter distância e, se possível, fugir, são as próximas melhores opções. A distância é muitas vezes o melhor amigo de quem se defende, dando tempo para avaliar a situação e chamar por ajuda. No entanto, quando todas essas opções se esgotam, estar preparado para lutar é crucial. O AKM Arnis Kali Maharlika ensina uma variedade de técnicas que usam armas tradicionais como bastões e facas, além de objetos do cotidiano como chaves e garrafas, para se defender de forma eficaz.

O AKM Arnis Kali Maharlika também é uma prática que envolve mais do que apenas o corpo; abrange a mente e o espírito. O treinamento em AKM Arnis Kali Maharlika ajuda a desenvolver uma profunda conscientização corporal, que é fundamental para a execução eficaz das técnicas e para a manutenção de um estado mental calmo em situações tensas.

A importância da prevenção é outro pilar. É frequentemente dito que 90% da autodefesa é prevenção, enquanto apenas 5% são técnica e outros 5% é sorte. Isso destaca a necessidade de estar sempre alerta e ciente do ambiente ao redor. A ideia de "lutar ou fugir" também é incorporada no treinamento, preparando o praticante para tomar decisões informadas em momentos críticos.

Além de ser uma forma eficaz de autodefesa, o AKM Arnis Kali Maharlika tem um valor educacional intrínseco. Ele não apenas ensina habilidades físicas, mas também instila disciplina, respeito e outras virtudes que são úteis na vida diária. Ele também é considerado o esporte nacional das Filipinas, o que ajuda a manter viva uma parte vital da cultura e da história do país.

Em resumo, o AKM Arnis Kali Maharlika é uma arte marcial que oferece uma abordagem abrangente para a vida, integrando aspectos físicos, mentais e espirituais em seu treinamento e filosofia. Ela fornece ferramentas não apenas para a autodefesa, mas para viver de uma maneira mais consciente e harmoniosa.

O AKM Arnis Kali Maharlika baseia-se na filosofia holística de desenvolvimento humano conhecida como Neohumanismo, formulada por Shri Shri Anandamurti. Esta filosofia visa a expandir o entendimento humano para além de conceitos limitantes como nacionalismo e materialismo, enfatizando a importância da universalidade, da ética e do bem-estar coletivo. No âmbito do AKM Arnis Kali Maharlika, essa visão filosófica é integrada à prática marcial, proporcionando não apenas uma forma física de autodefesa, mas também um caminho espiritual e ético para o autodesenvolvimento.

Shri Shri Anandamurti criou uma filosofia conhecida como Neohumanismo, que tem como objetivo ampliar a perspectiva humana para além de limitações como o nacionalismo e o materialismo. Ele defende que uma transformação significativa só é possível quando as pessoas enxergam o universo inteiro como seu lar e consideram todos os seres vivos, humanos ou não, como membros de uma única família cósmica. Para fundamentar essa visão, Shri Shri Anandamurti introduziu a Teoria da Utilização Progressiva (PROUT), que se concentra em cinco princípios essenciais para otimizar e distribuir de forma justa os recursos, assegurando que cada indivíduo tenha suas necessidades básicas atendidas.

De acordo com Shri Shri Anandamurti, a sociedade é formada por diferentes classes sociais, incluindo trabalhadores, guerreiros, intelectuais e capitalistas. Ele postula que cada época histórica é dominada por uma dessas classes, que acaba explorando as demais. Como solução, Shri Shri Anandamurti propõe que a sociedade seja liderada pelos "Sadvipras", indivíduos que combinam força física, robustez mental e elevação espiritual, representando assim as melhores qualidades de todas as classes sociais.

O Neohumanismo também advoga por uma educação intercultural, incentivando a compreensão e o respeito mútuos entre culturas diversas. A filosofia de Shri Shri Anandamurti coloca grande ênfase na ética e na racionalidade, argumentando que decisões verdadeiramente racionais são aquelas que beneficiam o coletivo. Ele também ressalta a importância da prática espiritual, como a meditação, para alcançar uma mente lúcida e um coração generoso.

Assim, a filosofia Neohumanista de Shri Shri Anandamurti oferece um modelo holístico de desenvolvimento humano. Ela aborda tanto as dimensões espirituais quanto as sociais do ser, aspirando a criar uma sociedade mais igualitária e justa. A filosofia reconhece a complexidade e a interdependência da existência humana em várias dimensões — física, psicológica e espiritual — e fornece um roteiro para o bem-estar que vai além das divisões convencionais de classe, cultura e nacionalidade.

Historicamente, a sociedade hindu se organizava em um sistema de castas hereditárias: Sudras (trabalhadores), Ksattriyas (guerreiros), Vipras (intelectuais) e Vaeshyas (mercadores). Shri Shri Anandamurti, no entanto, desafiou essa visão tradicional, propondo que cada indivíduo possui elementos dessas quatro castas. Ele apresenta quatro caminhos para o desenvolvimento pessoal: Bayanihan (serviço), Jhani (intelecto), Bhakti (amor e devoção) e Bushido (guerra). Segundo Anandamurti, esses caminhos não são mutuamente exclusivos, mas complementares.

O AKM Arnis Kali Maharlika adota o Bushido como seu foco principal, direcionando-se ao conhecimento marcial como uma forma de autodescobrimento. No entanto, também ressalta a importância dos outros caminhos, oferecendo não apenas uma trilha a ser seguida, mas também a conscientização da existência de múltiplas abordagens. Isso se reflete na simbologia do bastão, um instrumento de muitos usos e significados, que representa sabedoria, controle e direção. Este elemento é amplamente respeitado e utilizado em várias culturas e contextos, desde sábios antigos até personagens de histórias, como Gandalf e Merlin, passando por pastores, soldados, maestros e pessoas com deficiências visuais. O bastão simboliza uma gama de valores essenciais, tornando-se um elemento chave que harmoniza bem com o sistema Inocalla.