Entrevista Mestre Ricardo Nakayama
1- Sensei Nakayama, obrigado por aceitar o nosso convite para essa entrevista. Você poderia começar falando sobre você e seu começo nas artes marciais?
Resp: Meu começo nas artes marciais se deu através do meu pai, nascido no Japão, era um atleta nato, ele tinha faixas pretas em Karatê e Judo, além de ter treinado ginástica olímpica e outros esportes em sua terra natal. Meu começo foi no Karatê, quem viu o filme original do Karatê Kid tem uma noção de como era o treinamento. O método japonês é abstrato, o "Mestre" não dá o peixe pronto para o discípulo, ele dá a vara. Isso significa que em geral, você repete os movimentos, executa os exercícios sem questionamentos, procura o "insight", ou seja, em algum momento você descobre o "pulo do gato" e executa a técnica com perfeição.
O método ocidental é objetivo, você quer saber a razão de cada movimento, a mecânica corporal, racionalizar em cima da técnica e alcançar os objetivos em pouco tempo.
Continuando, dos meus 4 aos 8 anos eu treinava como toda a criança, repetia o que meu pai fazia por admiração e respeito. Aos 8 foi minha primeira "briga", lutei com 4 garotos da minha idade e bati em todos. Esse episódio mudou a forma como eu encarava as artes marciais e dai para frente encontrei meu proposito, o qual levarei por toda minha vida.
2- Sabemos que você possui uma baita experiência em FMA, hoje tem se dedicado mais ao FCS, poderia falar mais na sua visão sobre a escola e o cenário do fma no Brasil?
Resp: FCS Kali significa Filipino Combat Systems, veja que não é System, isso significa que o FCS engloba diversos sistemas, não trabalhamos de forma fechada, o Tuhon Ray Dionaldo não tem uma postura egoísta e incentiva a todos os praticantes a procurar novas possibilidades.
No Brasil, o diretor responsável é o Bruno Gabriel, com um talento acima da média, tem o mesmo pensamento do nosso Tuhon. Hoje eu treino além do FCS, o Balintawak e o Pekiti Tirsia e sempre estou aberto a outros conhecimentos.
As FMA no Brasil estão crescendo e ficando mais conhecidas. Temos diversas escolas e vários grandes mestres já vieram ao nosso país para dar cursos. O importante é manter uma boa convivência com todas as artes marciais filipinas, lembrando que não somos concorrentes e sim parceiros.
3- Poderia falar mais sobre a SOTAI?
Resp: A Sotai significa Sobrevivência, Treinamento, Aplicação e Inteligência, é um método de treinamento e não uma nova arte marcial. É a síntese de várias escolas diferentes com ênfase na defesa pessoal e tem 4 princípios fundamentais: simplicidade, objetividade, versatilidade e efetividade.
Simplicidade se traduz em ter técnicas simples de serem aprendidas, lembradas e aplicadas.
Objetividade é só colocar no currículo o que funciona, deixando de lado quantidade e ressaltar a qualidade do que será ensinado.
Versatilidade é ter um conteúdo facilmente adaptável a qualquer pessoa, independente do biótipo, idade, sexo ou até mesmo possível limitação, como as pessoas com necessidades especiais.
Efetividade significa sobreviver em situações de risco, é aprender a dominar a si mesmo, ao(s) adversário(s) e a situação. Você pode ser um ótimo lutador, ter uma técnica excelente, mas reagir no momento errado, por exemplo, consegue desarmar um marginal, mas esqueceu de verificar se havia alguém dando cobertura para ele. Nesse caso, o melhor lutador pode morrer com um tiro nas costas.
4- Muito obrigado pelas suas respostas! Gostaria de deixar alguma mensagem para os nossos leitores?
Cada dia é uma oportunidade para se tornar uma pessoa melhor. Não podemos controlar tudo, mas devemos valorizar nosso tempo, porque é algo que não tem volta. A vida é ter prioridades e fazer escolhas. Você pode escolher ficar o dia todo na cama, ou aprender todos os dias.
Treinar brincando: 5 coisas que um adulto ganha praticando artes marciais com crianças
por Renato Berlim Fonseca
Férias, o que rende crianças sem aulas, doidas para brincar e o tempo, geralmente restrito, de treino ganha mais um concorrente. Especialmente para os pais e mães que treinam. Porém se as crianças tiverem idades entre 6 e 10 anos é possível alinhar o treino e a brincadeira, praticar… brincando. Ainda que não seja exatamente o treino de artes marciais usual ainda é possível praticar algumas coisas com os pequenos. Portanto, um aviso: este não é um texto sobre o ensino de artes marciais para crianças, existem ótimas referências e descrições. Bem como bons profissionais por aí fazendo esse trabalho, que é diferente do ensino para adultos.
No caso o foco vai ser nas artes marciais filipinas também conhecidas como Eskrima, Arnis, Kali ou FMA (Filipino Martial Arts) que tem a particularidade de trabalhar com armas brancas ou sem armas. Mas, com os devidos reparos, a idéia geral também pode valer para outras artes marciais. Essas “batalhas” são como um sparring leve. De qualquer modo, o treino, ou brincadeira mesmo, com crianças pode oferecer oportunidade para:
1- O cenário de luta contra vários oponentes
Crianças aprendem brincando, o brincar livre é a melhor forma de aprendizado que um criança pode ter, então dê o espaço que elas precisam para construir suas fantasias e use isso a seu favor. Apenas conduza, não tente controlar as crianças ou elas vão desistir. Assim, eu adoro inventar lutas de espada com meu filho e sobrinhos e aproveitar para treinar contra dois ou três atacantes. A brincadeira é muito boa para simular, se é uma luta de jedi, cavaleiros ou ninjas não importa, qualquer um deles está ótimo. Esse é um cenário comum na maioria das artes marciais com foco em defesa pessoal e crianças são ótimas para esse cenário. Elas te atacam com aquela coragem que só a ignorância oferece. Quase instintivamente elas te cercam, procuram pontos francos e te obrigam a entender com lidar com oponentes múltiplos. Para equilibrar um pouco as coisas, eu geralmente deixo elas com armas mais longas e eu fico com algo curto ou mesmo mãos limpas para treinar desarmes.
2- Capacidade aeróbica
Esse cenário significa que o alvo (você) vai ter que se manobrar e se mover constantemente para não ficar cercado. Dê preferência ao movimento usando o terreno (carros, bancos de praça, brinquedos de parquinhos) ou mesmo os próprios adversários como barreiras para compensar a desvantagem numérica. Tudo isso é muito cansativo e, para agravar, as crianças não cansam fácil e se recuperam rapidamente. Essa impressão vai ser aumentada se o adulto já estiver um tanto quanto… geriátrico. A situação rende um tremendo exercício e adulto vai queimar umas boas calorias.
3 – Defesa das pernas
A necessidade de manobrar já vai demandar um bom trabalho de pernas do adulto, o que vai ser agravado pela necessidade de defender as pernas com um frequência incomum. É uma particularidade desse cenário, especialmente quando a diferença de altura entre os oponentes (o adulto e as crianças) é de umas boas dezenas de centímetros. Mesmo que nas FMA existam os ataques 8 e 9 (pernas) ou 5, que pode acertar na linha da cintura ou abaixo, a maioria dos adultos está acostumada a se defender de ataques na altura do tórax e da cabeça. Porém, como altura das crianças é bem mais menor seu alvos também vão ser. Somando isso à dificuldade dos múltiplos oponentes e o uso de uma “arma” mais curta o exercício e a diversão estão garantidos.
4 – Humildade
Lembrando o ponto inicial, é uma luta contra crianças pelamordedeus. Vencer não é exatamente uma vitória, mas sim uma prática divertida e um espaço para alguns experimentos. Nesse contexto o que significa testar coisas novas e se abrir para o risco de tudo dar errado e uma criança fazer a festa em cima de você. De qualquer forma, mesmo sem os experimentos, elas provavelmente vão conseguir acertar um ou dois golpes, o que é mérito delas e uma oportunidade de aprendizagem para o adulto. E, claro, o objetivo do adulto é praticar o das crianças se divertir e ninguém se diverte perdendo o tempo todo.
5 – Controle
Indo além do cenário dos oponente, crianças adoram ritmos e música. E como vários exercícios de FMA como o Sinawali e o Labang Laro (o termo significa luta combinada ou jogo de luta) funcionam com ritmos seria possível se criar alguma brincadeira divertida e útil assim.
Ainda assim, se acertar um alvo em movimento pode não ser tão fácil. Fazer isso controlando a força e a precisão vai ser mais difícil ainda. É importante lembrar que são crianças e não adultos em miniatura. Tanto que, no cenário dos múltiplos oponentes, eu pessoalmente prefiro que eles me ataquem do que lutem entre si. Afinal, ninguém quer ter que explicar para o resto da família sobre o dedo quebrado do sobrinho, o que leva ao próximo tópico.
Os cuidados necessários
É importante saber gerenciar o risco. Um ralado ou um pouco de dor pode acontecer em qualquer brincadeira mas o adulto deve prezar pelo controle o cuidado. As sugestões abaixo podem ajudar mas estão longe de prever todos os casos. Portanto seja cuidadoso e equipamento de proteção individual não fazem mas a ninguém.
As “armas” e as devidas proteções
Para começar eu evito os bastões, mesmo os leves. As crianças adoram sabres de luz de brinquedo, que são essencialmente bastões expansíveis para crianças, esses serzinhos adoráveis que não entendem o conceito de bater leve. Pessoalmente detesto da ergonomia dos sabres de luz a ausência de guardas demonstra como uma guarda na espada é uma maravilha de ergonomia de design. Mas aviso que lutar com sabres de luz acesos numa noite escura é divertidíssimo. Assim, mesmo usando esse tipo de brinquedo acho interessante usar uma proteção para os olhos das crianças, como um óculos de plástico ou algo que não solte cacos. Eventualmente o reflexo pode se acionado e o adulto reagir com mais precisão que o devido.
Bastões leves revestidos de espuma são razoáveis, mas demandam controle da força. Porém, bastões menos densos podem ter efeito de chicote na defesa que pode render surpresas desagradáveis e os mais densos ainda podem machucar se usados com força.
Minha arma preferida é aquele espaguete usado em piscina, cortado para chegar a um tamanho aceitável pode até ser decorado. No caso, como adulto, eu fico com um pedaço menor. Dependendo do cumprimento vai agir quase como um chicote em algumas manobras, mais curto fica melhor, mas vai servir. A grande vantagem é que o impacto equivale a uma guerra de travesseiros e como eles são bem largos a chance de acertar o olho é menor, mas um óculos de proteção nunca faz mal. O risco de machucado mais alto é no caso de impacto punho contra punho. Assim, luvas acolchoadas, como as de MMA, podem ser uma boa pedida, especialmente para o adulto. A idéia não é só proteger os dedos do adulto, mas principalmente reduzir o risco de estrago nas crianças no caso de um impacto acidental.
O espaço
Uma sala grande com objetos delicados bem guardados pode ser boa, mas eu acho ideal uma área externa. Sua sogra vai matar você se os netinhos quebrarem os bibelôs. E um espaço maior vai fazer diferença na hora de manobrar.
Sobre outras artes marciais
O praticante de jiu-jitsu, luta-livre ou judô que nunca brincou de guerra de cosquinhas com os filhos em cima da cama não sabe o que está perdendo. É um bom momento para ensinar um pouco sobre manipulação de articulações, com a devido ressalva sobre as responsabilidades e cuidados envolvidas nisso. Kung Fu, Karatê e outras artes de strike só precisam escolher o desenho animado ou filme preferido. É um divertido e intenso sparring sem contato.
Conclusão
A proposta aqui não é um treino de alta perfomance, nem colocar crianças em treinos direcionados e estruturados, mas apenas um alinhamento entre interesses de adultos e crianças para o período das férias escolares. Eles já tem aula no resto do ano.
Ainda assim, o livre brincar é uma forma de aprendizagem, física e emocional. Se você quer praticar algumas coisas e ao mesmo tempo oferecer para crianças uma situação onde elas podem soltar sua agressividade sem medo de repreensão, aproveite. Um espaço para soltar isso de forma socialmente aceitável é saudável para crianças e adultos. É uma forma de ensinar para as crianças a desenvolver mecanismos para lidar com medo, frustração, raiva e construir resiliência emocional. Quer que seu filho te veja como o herói? Aceite ser o vilão. Se quer ensinar sobre vitória e derrota, deixe ganhar ou perder sem que as crianças percebam. Como diriam em jogos de RPG, seja um bom NPC (personagem não jogador). Brincar é uma das melhores formas de se construir vínculos saudáveis com crianças.
E ainda ajuda a evitar a ferrugem quando estiver fora da academia.
https://teclogos.wordpress.com/2019/01/11/o-que-um-adulto-ganha-praticando-artes-marciais-com-criancas/?fbclid=IwAR326jHwk5pO3k1bmQpEVTupvao5X-Gg44PxJwYLU2IFDXRakX0jqhefWwU
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